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Foto: Divulgação Vozes do Tocantins

Foto: Divulgação Vozes do Tocantins

No Bico do Papagaio, área de transição entre Cerrado e Amazônia no extremo-norte do Tocantins, uma agroindústria comunitária no município de Araguatins conquistou o registro de estabelecimento junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em fevereiro de 2024.

A agroindústria foi construída por meio de uma parceria entre a Associação para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO) e a Associação dos Pequenos Lavradores do Projeto de Assentamento Ouro Verde Barro Branco (ASBB), com apoio da Rede Bico Agroecológico, da qual as associações fazem parte.

“É uma conquista que abre a possibilidade de gerar renda concreta para famílias assentadas, de conservar a sociobiodiversidade e aproveitar mais o que a agricultura camponesa produz dentro dos assentamentos da região”, explica Selma Yuki Ishii, coordenadora de um dos projetos apoiados pelo Fundo PPP-ECOS, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com recurso do Fundo Amazônia.

O processo para regularização de uma unidade de beneficiamento em âmbito comunitário é desafiador, já que a legislação sanitária não foi construída para “enxergar” pequenos empreendimentos, como lembra Noleto, coordenador do Programa Amazônia, do ISPN.

“Regularizar um empreendimento comunitário no interior do Tocantins, para processamento de polpa de frutas é realmente uma conquista e motivo de muita comemoração, mas os desafios não se encerram nesta etapa”, destaca Noleto.

De acordo com ele, são algumas etapas que dificultam a regularização, a começar pela normatização excludente para as iniciativas comunitárias. “Alcançar um nível de gestão compatível com o das empresas privadas é parte do longo processo de amadurecimento institucional ou empresarial, obtido a partir das decisões do grupo comunitário. Além disso, os recursos para apoiar as organizações comunitárias são escassos, e muitas vezes são obtidos apenas por meio de projetos não reembolsáveis”, comenta.

Para fomentar a criação de novas unidades de beneficiamento entre organizações de base comunitária, familiar e camponesa, o ISPN mantém o site agroindustria.org.br. Com um assistente virtual, o portal auxilia pessoas interessadas no processo de regularização da agroindústria. Para saber mais, clique aqui.

Casa de Polpa

Simbolicamente inaugurada no final de novembro de 2023, a Casa de Polpa já funcionava de maneira informal desde 2017. Em 4 de fevereiro de 2024, um novo motivo para comemorar: a conquista do registro de estabelecimento no MAPA.

“Sempre é um grande desafio conseguir isso, geralmente são apenas as grandes empresas [que conseguem]. Mas, com todo esse trabalho desenvolvido, a gente vê que é possível e estamos descobrindo os caminhos das pedras”, comenta Yuki.

Tampouco é possível saber qual o número de agroindústrias comunitárias no país. Questionado, o MAPA disse que “o registro de agroindústrias não leva em consideração se ela é comunitária ou não”.

Se antes as vendas dos produtos ocorriam no boca-a-boca e em pequenas feiras, com a regularização da unidade de beneficiamento, as famílias agora têm oportunidade de consolidar canais de comercialização junto a mercados formais, como restaurantes e lanchonetes, e institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Abacaxi, açaí, acerola, cajá, caju, cupuaçu, buriti, goiaba, manga, maracujá, murici, tamarindo, jamelão, bacuri, laranja, bacaba, limão são alguns dos insumos para o trabalho de agricultores e agricultoras assentados no Projeto de Assentamento Ouro Verde, que por meio da unidade de beneficiamento transformam frutos do Cerrado e da Amazônia em polpas de suco.

Antonio Barbosa Silva, presidente da ASBB e responsável legal do projeto Fruta Nova: beneficiamento frutos e preservando vidas, selecionado em edital do Fundo PPP-ECOS, também com apoio do Fundo Amazônia, explica que com o desenvolvimento do trabalho na Casa de Polpa, a ideia é diversificar as frutas e expandir os produtos ofertados pela comunidade. “Nossa expectativa é vender [no futuro] frutos desidratados”, conta.

Agroecologia e biodiversidade

A consolidação da unidade de beneficiamento comunitária vai de encontro a objetivos centrais das associações envolvidas no projeto: conservar a biodiversidade da região, fortalecer a agricultura agroecológica e aproveitar melhor a produção camponesa das comunidades.

De acordo com Yuki, da APA-TO, a compreensão da importância de uma agricultora agroecológica na região é “fruto de uma longa caminhada”, que remonta também à construção da Rede Bico Agroecológico – entre as décadas de 1970 e 1980, associada à luta pela terra na região do Bico do Papagaio.

A APA-TO, por sua vez, fundada em 1992, tornou-se referência de assessoria técnica e ambiental na região. Hoje, oferece apoio para organizações regionais e contribui com a discussão sobre “desenvolvimento regional pautado nas cadeias das frutas”, entre elas, o coco babaçu.

“As famílias passaram a compreender e valorizar a biodiversidade local e perceber que existia perda na produção. Daí nasce o sonho de aproveitar melhor essas frutas e preservar as plantas dos territórios”, explica ela, sobre a origem da Casa de Polpa.

PPP-ECOS 

A Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais é a abordagem de trabalho do ISPN, e se estrutura em quatro pilares: acesso a recursos, protagonismo comunitário, gestão de conhecimento e articulação política. Para viabilizar essa estratégia, o Instituto mantém um fundo independente que capta recursos de diversos doadores, o Fundo PPP-ECOS. No Bico do Papagaio, o PPP-ECOS viabilizou os projetos comunitários e a construção da Casa de Polpa com recursos do Fundo Amazônia.

(Foto: Divulgação Vozes do Tocantins)