Há negros, indígenas, tambores e fé. Cultura popular, originalidade e invenção. Guimarães Rosa diz que muitas são as Minas. Essa feliz junção fica evidente na exposição “A valorização e o resgate de nossa cultura”, de Yara Tupynambá, que é a própria expressão dessa diversidade e nossas Congadas, a profundidade das Afromineiridades para nossa formação cultural. Uma mostra potente no que diz respeito ao mergulho dessa artista magistral nas nossas raízes.
O que se verá até dia 25 de agosto no Palácio da Liberdade são 10 obras da série “Catopês”, criadas entre 1976 e 1978. Trabalhos magníficos em telas e em papel, elaborados a partir de diversas técnicas. Na exposição, Yara revisita e celebra não só sua terra natal, Montes Claros, e o Norte de Minas, mas toda uma expressão popular que se manifesta na cultura, nas artes e na fé dos povos afromineiros. A exposição tem curadoria da Fundação Clóvis Salgado e integra o projeto “Profecia”, que norteia as ações da instituição neste segundo semestre e inclui óperas, exposições e a programação do Natal da Mineiridade.
Yara Tupynambá, que um dia foi aluna do mestre Alberto da Veiga Guignard, dedica sua vida à arte e, no entanto, é ainda mais. Sua vida é um inventário vivo, chocante e espetacular da mineiridade. Yara é como Minas, um estado de espírito. Da tradição, da terra e das suas verdades é que Yara Tupynambá – essa imensa mulher luz –, nos desvela o que não vemos: a inefável transcendência da arte que tudo vê. O que sua obra traduz a todo momento é ainda uma lealdade técnica por meio de pesquisas profundas das nossas gentes, culturas, modos de vida e belezas.
Em Yara, a beleza, mesmo na representação da tragédia, torna-se história pela leitura clara de temporalidades sem tempo. Yara tem a luz do conhecimento que só os grandes artistas conseguem expressar. É, pois, a beleza da vida mesma, enquanto existência que ela pinta em seus quadros e painéis expostos em tantas cidades brasileiras e capitais internacionais. Yara das Congadas, dos Catopês e dos Reinados de Minas: Patrimônio Histórico da Mineiridade.
Esta mostra poderia também sintetizar Yara Tupinambá. Mas tudo é pouco, tendo em vista que sua obra é imensa e inesgotável. Há muito o que estudá-la. Muito. Yara é e sempre será nossa luz terrena, forte, de contrastes e cores profundas. De olhar sagaz e de ternura efervescente de uma criança que a cada momento descobre algo novo. Yara Tupinambá é sempre nova, dada que é vanguarda.
A valorização e o resgate de nossas culturas, que têm tomado lugar especial no Palácio da Liberdade, se mostram novamente com a série “Catopês”. No âmbito da proteção como Patrimônio Imaterial de Minas Gerais, as Congadas – cujo ritual envolve os irmãos Candombe, Moçambique, Congo, Caboclo (retrato colorido do indígena brasileiro), Marujo, os Catopês, Vilão e os Cavaleiros de Jorge – são símbolos da nossa ancestralidade e do nosso sincretismo religioso.
A significativa mostra de Yara Tupynambá em crayon, caneta Bic, técnica mista, pastel e pastel seco é uma homenagem à tradição das Congadas em Minas. Nada mais mineiro, uma síntese do Brasil. Yara Tupynambá é natural de Montes Claros, berço dessa tradição. Os Catopês homenageiam os negros na formação do povo brasileiro, recriando e revivendo a memória e o imaginário congadeiro.
Congadas, agora declaradas Patrimônio Cultural do Estado de Minas Gerais, revelam o caráter da nossa fundação num momento em que singelas expressões do cotidiano acolhiam, por meio da arte e da devoção popular, influências culturais distintas, de origem erudita ou de extração étnica, sem que o sentido unitário peculiar de sua evolução se perdesse.
As Afromineiridades – aliás, nome de um programa fundamental do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) – também integram parte das políticas públicas de proteção e salvaguarda das culturas tradicionais e populares do estado, expressões tão bem representadas pela arte eterna e atemporal de Yara Tupynambá.
*Leônidas de Oliveira é secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais.