Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu, pela primeira vez, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não pode proibir produtos manipulados com nomes comerciais. A decisão da 9ª Câmara de Direito Público determinou que as autoridades sanitárias se abstenham de "aplicar qualquer espécie de sanção por comercializar produtos manipulados com atribuição do objetivo terapêutico e de nome das fórmulas em seu rótulo. Inexistência de previsão legal específica que proíba a prática".
É bastante comum as farmácias de manipulação desenvolverem formulações com finalidades específicas, por exemplo, "composto vitamínico para menopausa", "fórmula para emagrecer" ou "sérum anti-idade". A prática aparece com frequência em sites e redes sociais, especialmente daquelas farmácias que conseguiram na Justiça o direito de realizar estoque mínimo e exposição de produtos magistrais com objetivo de propaganda, conhecida como liminar para e-commerce magistral.
Na Justiça, já havia decisões favoráveis anteriores em Minas Gerais, onde o TJ-MG concedeu esse direito para ao menos nove farmácias.
Importante ressaltar que o uso de nome comercial para fórmulas manipuladas não implica aumento de risco dos medicamentos, cosméticos ou suplementos manipulados. Pelo contrário, favorece o paciente, que tem condições de comparar e diferenciar produtos por finalidade, qualidade e laboratório de produção.
No entanto, a Anvisa e os órgãos sanitários entendem que qualquer exposição ao público de produtos magistrais contendo nome comercial fere a RDC 67 - Boas Práticas de Farmácias de Manipulação. Essa norma restringe a exposição de produtos manipulados para fins publicitários, mas não proíbe a atribuição de nomes distintivos às fórmulas.
Nesse contexto, ao longo de décadas, a fiscalização vem autuando farmácias quando se depara com tais nomenclaturas, interpretando erroneamente que se trata de um produto industrializado sem registro.
Vale frisar que produtos manipulados não precisam de registro sanitário na Anvisa, pois são personalizados e geralmente seguem prescrição de profissionais de saúde habilitados. Há, no entanto, produtos como cosméticos, alguns suplementos e determinados medicamentos fitoterápicos que podem ser indicados por farmacêuticos sem necessidade de prescrição, conforme autoriza a RDC 67, item 5.10.2, e permitido por resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) desde 2007.
Recentemente, com a RDC 768/22, ao revisar as normas de rotulagem para medicamentos industrializados, a Agência introduziu uma nova proibição para o setor industrial: o veto ao uso de marcas próprias em medicamentos.
Esse conceito refere-se ao uso de nomes, marcas, logomarcas e identidades visuais por estabelecimentos que comercializam ou dispensam medicamentos diretamente ao consumidor, como farmácias e drogarias. A medida gerou grande debate no setor farmacêutico. Os opositores argumentam que a proibição prejudica a livre concorrência e impacta tanto fabricantes quanto consumidores.
Importante ressaltar que essa regra se aplica apenas a medicamentos, não abrangendo outras categorias, como suplementos. A determinação atinge o setor farmacêutico em um ponto nevrálgico, afetando distribuidoras, drogarias e farmácias que realizam manipulação.
Quando uma farmácia magistral tem autorização judicial para o e-commerce, está liberada para ofertar seus produtos diretamente ao consumidor. Por não haver proibição clara nos regulamentos da Anvisa sobre o uso de nomes comerciais em fórmulas manipuladas, a tendência é que estas possam ofertar seus produtos utilizando nomes distintivos, marcas registradas no INPI, além dos requisitos obrigatórios para rotulagem de quaisquer produtos que afetam a saúde, como composição, finalidade, dosagem, modo de uso, advertências e restrições.
A decisão recente da Justiça paulista impõe limites às restrições excessivas que impactam o setor de farmácias de manipulação no Brasil, o que motiva que empresas recorram ao Judiciário para evitar sanções indevidas. Esse julgamento também reforça que a Anvisa não pode impor restrições além do previsto nas leis federais, além de respeitar princípios constitucionais como igualdade, livre concorrência, razoabilidade, proporcionalidade e legalidade na administração pública.
*Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, especialista em regulação de farmácias e cannabis, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann.