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Opinião

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

A imagem já foi usada em textos anteriores. Trata-se da imagem do relógio do Juízo Final. Que está se aproximando meia noite. Para quem desconhece a história. Em 1947, a artista norte-americana, Martyl Langsdorf, esposa do físico Alexander Goldsmith Jr, do projeto Manhattan (fabricação da bomba atômica), desenhou um relógio para a capa do Bulletin of the Atomic Scientists, da Universidade de Chicago.

O relógio faz uma analogia com a raça humana, mostrando que a Humanidade está a segundos da meia noite, hora em que o planeta será devastado por uma guerra nuclear.  Todos os anos, a imagem é redesenhada no boletim dos cientistas atômicos, onde se anuncia o apocalipse. Pois bem, nesses primeiros meses de 2025, a meia noite da catástrofe chegará em 90 segundos.

E quem sugere essa proximidade são os dirigentes das grandes potências que têm se referido em suas falas sobre a possibilidade de usar armas de destruição do planeta para defender seus territórios.

Vejamos. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia ultrapassa os limites do bom senso. Fala-se em cessar fogo, mas o que se vê, a cada semana, é a expansão do poder destrutivo dos dois países.  A Rússia promete agir contra o que chama de militarização da União Europeia, após os líderes do bloco concordarem em aumentar gastos com defesa.

Na Faixa de Gaza, a guerra entre Israel e os palestinos não dá sinais de arrefecer. Guerras se multiplicam nos quadrantes do planeta. Além da guerra entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e Palestinos, vivem situações de conflitos os seguintes países: Síria, Iêmen, Sudão, República Democrática do Congo, Etiópia, Afeganistão, Líbia e Mianmar.

Um estudo realizado pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês) mostra que, no ano passado, houve um grande aumento no sofrimento humano e na intensidade das guerras e conflitos globais. Mais de 200 mil pessoas foram mortas em 134 guerras e outros conflitos armados, representando um aumento de 37% em relação ao número de vítimas registradas no período dos 12 meses imediatamente anteriores,  quando o confronto na Ucrânia já estava em seu segundo ano.

O mundo vive um dos ciclos mais tensos de sua história, a ponto de se indagar se não estamos voltando aos tempos da Guerra Fria, período de tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos e seus respectivos aliados, o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial.

O Papa Francisco diz que o mundo está a viver um momento de "autodestruição" com conflitos por todos os lados. Na encíclica “Laudate Deum”, de 2023, afirmava: urge "desarmar as palavras, para desarmar as mentes e desarmar a Terra". E fazia o alerta: o mundo está "entrando em colapso e talvez se aproximando de um ponto de ruptura". O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, também alerta:  a "Guerra Fria voltou".  

As tensões se acirram. Nas últimas semanas, a “guerra comercial” deflagrada pelo senhor do topete laranja, paira como ameaça sobre as já combalidas economias do planeta. A trégua de 90 dias dada pelo presidente czar americano, ao suspender o tarifaço que impôs a mais de 60 países e blocos comerciais (com exceção da China), é um alívio passageiro. O mundo pós-tarifaço do mandachuva do Império Norte já não é o mesmo.  

A paisagem é tão cheia conflitos que até a interpretação do professor Samuel Huntington em seu livro “Choque de Civilizações”, escrito há 40 anos, parece atual para descrever o caos que o mundo vivencia: “quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver.”

A violência se expande em todas as áreas. No Irã, os aiatolás se voltam contra as mulheres. Que vão às ruas para protestar contra o Estado religioso. Em diversas regiões do planeta, o trabalho escravo aumenta seus espaços. Aqui, em nossas plagas, o trabalho infantil desafia as forças da lei. A floresta amazônica é usada como um grande corredor para exportação de drogas. A Nação yanomami continua sendo invadida por garimpeiros.   

A sensação é a de que o País navega nas ondas da impunidade. Habitamos um território da desobediência explícita, o que justifica o chiste sobre nossa sociedade: Há quatro tipos de sociedade no planeta: 1. a inglesa, liberal, onde tudo é permitido, exceto o que é proibido; 2. a alemã, rígida, onde tudo é proibido, exceto o que for permitido; 3. a ditatorial (Coréia do Norte), fechada, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido; e 4. a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido.

Nada mais surpreende. O PCC constrói seu cofre de Tio Patinhas, onde esconde cerca de R$ 10 bilhões. Seus negócios se espalham pelo mundo. E onde estão seus comandantes? Em celas de segurança máxima, onde estão trancafiados.

Resumo desse relato: guerras armadas, conflitos, disputas, mortandade, guerra comercial, carteis de droga, Estados fracassados, Nova Guerra Fria, trabalho escravo, trabalho infantil, destruição do meio ambiente, violência contra povos originários, violência contra a mulher – são sinais de que o mundo está em colapso. O relógio do Juízo Final marca, hoje, 90 segundos para Meia Noite, o final dos tempos.

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.