Com as mudanças na legislação ambiental, que hoje permite processos mais simples e rápidos de licenciamento, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) decidiu reforçar sua estratégia. Para garantir que o desenvolvimento econômico não se sobreponha à preservação, a instituição aposta agora no uso intensivo de tecnologia e no monitoramento em tempo real.
Segundo o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente (Caoma) e promotor de Justiça, Saulo Vinhal, o objetivo é garantir a produção de provas técnicas robustas, capazes de assegurar a responsabilização por danos ambientais, independentemente da posse de licenças pelos empreendedores.
Essa nova postura institucional e os desafios impostos pelo atual cenário jurídico são o foco do seminário "Controle e Sustentabilidade Ambiental: Desafios e Oportunidades em um Novo Cenário Legislativo". O evento ocorre nesta sexta-feira, 5, na sede da instituição em Palmas, promovido pelo Caoma em parceria com o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Cesaf-ESMP).
Na abertura o procurador-geral de Justiça do MPTO, Abel Leal Júnior, destacou que o seminário reflete o compromisso da instituição com o futuro, buscando o diálogo para construir arranjos colaborativos que fortaleçam a segurança jurídica.
"A sustentabilidade é o caminho, e as políticas ambientais, sociais e de governança são ferramentas essenciais para alinhar a proteção do nosso meio ambiente ao desenvolvimento produtivo do nosso estado. Queremos fortalecer a cooperação técnica e estratégica entre todos os setores presentes", afirmou o PGJ.
Foto: Dicom MPTOO fim do licenciamento clássico e o ônus da prova
Na palestra de abertura, a procuradora de Justiça do MP do Rio Grande do Sul Silvia Cappelli, referência nacional em direito ambiental, traçou um panorama preocupante sobre a "flexibilização" das normas, citando legislações recentes que alteram a lógica do controle ambiental.
Segundo Cappelli, essa mudança legislativa retira, de forma automática, o poder público do "polo passivo" em casos de dano. "Antigamente, confiava-se no licenciamento como garantia de controle. Hoje, com o licenciamento tornando-se precário ou insuficiente, não basta mais ao Ministério Público questionar a falta de licença. Teremos que convencer o Judiciário de que aquela atividade, embora 'licenciada' de forma simplificada, causa danos reais ao meio ambiente", explicou.
A palestrante alertou que essa nova realidade impõe uma dificuldade processual maior. Se antes a ausência de licença era prova suficiente de irregularidade, agora, com licenças emitidas de forma expressa, o MP precisa produzir provas técnicas complexas para demonstrar que a atividade é lesiva, independentemente da validade formal do documento apresentado pelo empreendedor.
Licenciamento como segurança jurídica, não entrave
Silvia Cappelli também desconstruiu a narrativa comum de que o licenciamento ambiental seria um "entrave" ao desenvolvimento. Ela defendeu que o processo técnico é fundamental para dar base científica às decisões administrativas e serve como um importante espaço de mediação de conflitos, evitando que audiências públicas se tornem meros atos burocráticos.
"Preservar o meio ambiente não é coisa de ecologista, não é coisa do Ministério Público. Ele é uma segurança para a sociedade. Pelo contrário, ele dá segurança jurídica ao empreendedor e à sociedade. Ela lembrou que um licenciamento bem feito reduz o risco de processos no futuro.
Monitoramento em tempo real: a nova estratégia do Caoma
Diante desse cenário em que o papel "carimbado" perde força como garantia de proteção, o coordenador do Caoma, Saulo Vinhal, pontuou que a instituição não pode mais depender apenas de uma atuação repressiva pós-dano. O MPTO precisa agir de forma preventiva e baseada em dados confiáveis. A estratégia agora é acompanhar as atividades em tempo real e reunir provas técnicas desde o início.
Para viabilizar essa estratégia de "prova robusta", o MPTO tem investido em ferramentas tecnológicas que permitem uma fiscalização remota e precisa. Atualmente aequipe técnica do Caoma trabalha com o cruzamento de dados que tem sido utilizado para identificar irregularidades que passariam despercebidas em fiscalizações físicas tradicionais.
O diferencial desse trabalho reside na organização e integração de dados. Através de sistemas próprios, como o Radar Ambiental e a ferramenta Contrafogo, a instituição consegue reunir, em um único ambiente, informações dispersas em diversas bases de dados (como o Cadastro Ambiental Rural - CAR, autorizações de queima e alertas de desmatamento via satélite).
Na prática, essas ferramentas mostram, por exemplo, se uma queimada foi feita no lugar e no período permitido. Ou se a área desmatada é maior do que a autorizada. Os promotores recebem essas informações já organizadas, o que facilita a tomada de decisão.
Riscos econômicos da flexibilização
O seminário também abordou o aspecto econômico da questão ambiental. Silvia Cappelli alertou para os riscos da flexibilização da legislação. Ela lembrou que países e blocos econômicos, como a União Europeia e a OCDE, estão exigindo rastreabilidade das cadeias produtivas. Se houver desmatamento ilegal, esses países podem deixar de comprar os produtos brasileiros.
Segundo ela, o Brasil precisa garantir resultados ambientais concretos. Caso contrário, o agronegócio pode perder espaço no mercado internacional.
Programação abrangente
O evento conta ainda com painéis diversificados que ampliam a discussão. O painel sobre "A Lente da Gestão de Riscos Corporativos através das Políticas de ESG", moderado por Cledson da Rocha Lima, trata como a governança corporativa pode ser aliada da preservação. Já o tópico de recursos hídricos aborda no painel conduzido por Divaldo José da Costa Rezende, sob o tema "Água e Clima: Inovação e Sustentabilidade". (MPTO)


