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Opinião

O presidente Lula sempre mostrou-se reticente quanto à eleição do “companheiro” esquerdista e ex-bispo católico Fernando Lugo à Presidência do Paraguai, em 20 de abril de 2008. A bandeira de campanha de Lugo, que o levou à vitória com 40% dos votos válidos, foi a promessa de realizar uma intensa reforma agrária e a renegociação dos acordos energéticos que o país tem com o Brasil e com a Argentina. O inquestionável êxito de Fernando Lugo sobre a candidata governista Blanca Ovelar e o ex-general Lino Oviedo causou apreensão na cúpula do governo brasileiro e agora Lula vê-se obrigado a abrir os cofres para o presidente paraguaio, sob a desfaçatez de que faz isso de bom grado.

Na sexta-feira, 1º de agosto de 2008, Brasil e Paraguai começaram o ciclo de encontros para discutir a relação que os une financeiramente: a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Resultado de intensas negociações na década de 1960 e chancelada pelo Tratado de Itaipu, assinado em 26 de abril de 1973, a usina binacional iniciou suas operações em 1984. O Tratado estabelece que cada um dos parceiros tem direito a 50% da energia produzida e obriga o Paraguai a vender o excedente energético exclusivamente ao Brasil até 2023. Como o Paraguai utiliza apenas 5% dessa energia (suficientes para suprir 95% de sua demanda), vende o restante para o Brasil, onde 20% da energia elétrica vem de Itaipu. O governo brasileiro paga, atualmente, ao governo paraguaio US$ 45,31 por megawatt/hora. É justamente esse valor que Fernando Lugo considera injusto.

Com a crescente produção de Itaipu, o Paraguai recebe do Brasil aproximadamente US$ 375 milhões por ano, além dos devidos royalties pela utilização de sua “metade” do Rio Paraná. Isso sem falar que é sócio meeiro de um patrimônio estimado atualmente em US$ 60 bilhões. Lugo acha pouco e vai pressionar Lula por mais dinheiro e não terá apenas Itaipu como arma de negociação. A proposta de uma severa reforma agrária está fazendo o governo do Brasil tremer nas bases. O fato é que existe uma forte presença de brasileiros na produção de soja e carne do Paraguai, estimando-se um número em torno de 60% do total de produtores. Fernando Lugo argumenta, com apoio de diversos setores da sociedade paraguaia, que os produtores brasileiros lá instalados não geram emprego e renda para a população do país e uma de suas bases de governo será justamente o reordenamento dessa matemática desarrazoada.

A posse de Fernando Lugo como presidente do Paraguai no próximo dia 15 de agosto promete injetar nitroglicerina nas relações do país com o Brasil. No primeiro momento do ciclo de encontros, em Assunção, Carlos Balmelli, ex-congressista do Partido Liberal Radical Autêntico e que irá assumir o cargo de diretor-geral paraguaio de Itaipu na gestão Lugo, acomodou numa pasta uma série de exigências e entregou-a ao assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, e ao diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek. As pretensões do novo governo paraguaio ainda não foram completamente divulgadas, mas sabe-se que a pressão já é grande. Balmelli ameaçou, inclusive, submeter as contas de Itaipu à uma auditoria. Como o Brasil vive tempos de corrupção e má-conduta administrativa generalizadas em todas as esferas governamentais, o “pente-fino” proposto pelos paraguaios pode trazer à tona muito mais que lama de fundo de rio.

Que ninguém se espante caso o presidente Lula venha a anunciar, nos próximos meses, um amplo pacote de socorro financeiro ao novo governo vizinho, quiçá promover um PAC paraguaio. Tudo para evitar uma revisão do Tratado de Itaipu e, principalmente, a já anunciada ameaça de auditoria nas contas da usina binacional. Como Fernando Lugo terá de enfrentar em seu governo os graves problemas sociais, os altos índices de pobreza, a infra-estrutura precária e uma enferrujada máquina estatal clientelista de um país paupérrimo, um “acordo” financeiro com o governo Lula pode vir bem a calhar para um início de administração paraguaia e sem a menor preocupação com a prática de algum pecado capital: Lugo já recebeu do Papa Bento XVI a dispensa do ministério episcopal.

Já nas cercanias do Palácio do Planalto, toda essa história de “pente-fino” e reordenamento nas águas de Itaipu parece estar mesmo mexendo com os nervos (e os neurônios) do presidente do Brasil. Recentemente, ao transformar a Secretaria Especial da Pesca em Ministério, Lula proferiu a seguinte pérola: “Da mesma forma que a gente faz a reforma agrária na terra, vamos fazer uma reforma aquária, na água”. Faça-se, pois, a devida “reforma aquária” de Itaipu. O triste mesmo é saber que, no fim das contas, o assalto é sempre no bolso dos cidadãos brasileiros e que, pela primeira vez, terão de pagar um preço alto por um produto paraguaio.

 

Helder Caldeira

Estudante de Direito

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