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Opinião

Adaptado de Paulo Prochno, professor da Robert H. Smith School of Business da Universidade de Maryland (EUA), responsável por cursos em estratégia global, implantação de estratégias e gestão da inovação. Tem PhD em Administração de Empresas pelo INSEAD (França), MBA pela Vanderbilt University (EUA) e é engenheiro de produção pela Poli / USP.

Eis a pergunta que não quer calar:

Por que nossa produção acadêmica em administração não tem nenhum impacto mundial?

É fato, a área acadêmica de administração no Brasil poderia ter um destaque mundial muito maior do que tem – mas vários fatores impedem que isso aconteça. Nosso país possui um número elevado de talentos, tanto acadêmicos como docentes, porém não consegue aproveitar a plenitude de suas capacidades. Não é falta de qualidade, certamente: as melhores escolas de administração do Brasil tem alunos de alta capacidade, tão bons quanto os alunos das melhores escolas mundiais. E com professores que poderiam estar entre os mais respeitados mundialmente em suas áreas – mas que, salvo raríssimas exceções, não são conhecidos internacionalmente (e, portanto não se tornam referência na disciplina).

Em algumas outras áreas acadêmicas, esse problema é bem menor: áreas como economia ou matemática tem professores baseados no Brasil publicando nos periódicos mais respeitados e sendo referência em sua área. Mas em administração isso não acontece. Muitas razões levam a isso – a intenção aqui não é fazer uma lista exaustiva. Nem tampouco objetiva: ela reflete a experiência de muitos pesquisadores de escolas do Brasil, EUA e França, além de relatos em escolas da Ásia. Cito a Ásia porque países como Coréia do Sul, China e Cingapura conseguiram estabelecer presença de destaque mundial na área de administração num tempo relativamente curto, e estão num estágio bem mais avançado que o Brasil.

O jogo dos pontinhos da Capes

O fator que mais mediocriza a produção acadêmica brasileira que oferece programas de pós-graduação é a questão de estarem sujeitas a um sistema de medida elaborado pela Capes para manter seus programas. Entre alguns outros critérios, os professores de cada escola de administração que oferece mestrado e/ou doutorado têm que atingir uma certa média de pontos por pessoa para a escola ser considerada boa. Publicações contam pontos dependendo da qualidade do periódico.

Poxa, até aí tudo ótimo, um sistema de avaliação que dá incentivo para a produtividade. Mas... a lista de publicações é ruim - já houve muitas mudanças ao longo dos últimos 10 anos, desde versões que não incluíam nenhum dos periódicos mais importantes da área (ou seja, se alguém publicasse no melhor periódico da sua área não ganhava nenhum ponto) até versões que dão a mesma pontuação para períodicos bons e medíocres (ou seja, publicar nos melhores, que é muito mais difícil, não vale o esforço). E, mesmo com as médias sendo calculadas a cada 3 anos, as escolas colocam pressões em seus professores para fazer pontos no curto prazo – o que faz com que ninguém queira correr o risco de submeter para os melhores periódicos, já que o ciclo para ter um artigo publicado neles leva de 2 a 5 anos. A consequência? Todo mundo finge que está fazendo algo importante, mas na verdade só está pensando em maximizar os tais pontinhos gerando quantidade (ao invés de qualidade).

Como é no resto do mundo? Na sua grande maioria, os sistemas são elaborados pelas próprias escolas. As melhores geralmente colocam como objetivo publicar 5 ou 6 artigos em 6 anos (dependendo do impacto dos artigos e da escola, esse número pode ser menor). Só vale publicação nos periódicos considerados "A", uma lista ao redor de 6 periódicos por área. Conseguindo-se esse objetivo (junto com objetivos de qualidade de ensino e contribuição à instituição), você está livre para publicar o que quiser na velocidade que quiser (sistema chamado de "tenure"). Não conseguindo, tem que procurar emprego em outra escola. Os prazos são maiores, os objetivos mais ambiciosos, e depois de alguns anos você conquista liberdade para fazer coisas mais arriscadas. No Brasil, ao contrário, você esta sujeito eternamente aos pontinhos, à obrigação de gerar artigos em certa quantidade, artigos que não estabelecerão diálogo com pesquisadores pelo mundo porque foram publicados no periódico onde era mais rápido conseguir os pontinhos. Triste, mas verdadeiro.

Em terra de economista, quem administra se estrumbica

Nos EUA, professores de business school ganham pelo menos 50% a mais que professores de economia (salários universitários norte-americanos variam de área para área). As melhores escolas da Europa pagam o mesmo ou mais que nos EUA, para atrair bons professores. Se isso é "certo" ou não sob ponto de vista de criação de valor, eu não sei – mas sempre que vejo economistas tentando ser científicos e errando feio em seus conselhos, acho que faz sentido os administradores ganharem mais.

Já no Brasil, com sua eterna obsessão por fatores macro e sua paixão por "especialistas" fazendo previsões, economistas são reis: tem universidades onde professores de economia ganham o dobro dos de administração. Para alguém terminando o PhD em economia, voltar para o Brasil não significa uma perda de salário – às vezes ganhando até mais do que ganharia nos EUA ou Europa. Já para o PhD em administração, a diferença é grande, geralmente ganhando o dobro fora do país. E para os cursos executivos (geralmente adicionais ao salário normal), as diferenças no valor por hora-aula variam de 4 a 10 vezes – pelo simples fato que vim para os EUA, o valor de minha hora-aula cresceu 5 vezes. Mesma aula, mesmo tipo de alunos.

"Ah, mas no Brasil os salários são mais baixos mesmo". Hmm. Isso não é verdade para os economistas, e não é verdade para recém-MBAs, que atualmente conseguem melhores ofertas no Brasil que no exterior. Banqueiro ganha a mesma coisa no Brasil que nos EUA, consultor ganha mais, diretor ganha a mesma coisa ou mais... por que o professor de administração tem que ganhar metade ou menos? Relacionado a isso, há também as diferenças de salário num mesmo departamento, que criam problemas ainda maiores – disso falarei mais na semana que vem.

Um professor nas melhores escolas de administração dos EUA ou Europa tem uma carga horária entre 75 e 120 horas de aula (por ano). No Brasil, mesmo as escolas muito generosas pedem no mínimo mais que o dobro disso. E há casos que chegam a mais de 500 horas/ano.

O que o professor das melhores escolas do mundo faz no resto do tempo? Produz artigos, visita empresas, conversa com executivos, dá palestras, viaja, apresenta ideias, expande as fronteiras do conhecimento. Recicla-se. Planeja com cuidado seus cursos. Sobretudo aprende, para fazer com que seus alunos aprendam mais.

O que o professor no Brasil faz com o que resta do seu tempo? Dá mais aulas, para aumentar seu salário (vide discussão do item anterior). E faz pontinhos para a Capes ficar feliz e os burocratas poderem mostrar a pretensa "pujança" do nosso ambiente acadêmico.

(Professor ADM Marcelo Gris)