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Opinião

Quando o Tocantins adquiriu autonomia política e administrativa em relação a Goiás, no final dos anos 80, o contexto era marcado pelo processo de redemocratização do Brasil. No plano internacional, o episódio mais importante era a crise do socialismo soviético que levou à desagregação da URSS e, conseqüentemente, ao fim da Guerra Fria.

Vitorioso na disputa com os soviéticos, os Estados Unidos, no decorrer dos anos 90, adquirem status de única potência global. Extravasam sua hegemonia mundial por meio do Consenso de Washington – uma espécie de receita política e econômica a ser adotada pelos países da periferia do capitalismo – defendendo medidas liberalizantes que pudessem “abrir” as economias das nações subdesenvolvidas, entre as quais estava o Brasil. Dentre as medidas neoliberais previstas no Consenso de Washington, estava a privatização de empresas públicas. Na prática, vender estatais significa diminuir o papel do Estado permitindo o acesso do grande capital a setores rentáveis e estratégicos da economia antes sob controle público.

A política de privatização influenciada pelo pensamento neoliberal e prevista no Consenso de Washington desembarca no Brasil no governo de Fernando Collor de Melo (1991-1992), avança lentamente no governo Itamar Franco (1992-1994), vindo a deslanchar nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). É com FHC – membro da Social Democracia Brasileira, um partido jovem, dissidência do PMDB, que teoricamente não tinha compromisso com o neoliberalismo – que a venda de empresas públicas se tornará uma questão prioritária no Brasil.

Durante o governo FHC foi a leilão todo o sistema de telefonia do país, diversos bancos estatais, a Vale, maior mineradora do mundo, várias empresas siderúrgicas, quase todo o setor elétrico. Na época se dizia, inclusive com forte apoio midiático, que a maioria das empresas estatais dava prejuízo e representavam um peso para o país. Quando seu governo acabou, em 2002, estavam na lista de privatizações os dois grandes bancos estatais – Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – além dos Correios.

No Tocantins, um Estado recém criado, carente de infra-estrutura, sem grandes empresas estatais, o pensamento neoliberal foi colocado em prática nos oito anos do governo Siqueira Campos (1995-2002). Adepto da economia de mercado, admirador de FHC e seu seguidor de primeira hora, Siqueira aplica por estas bandas o receituário neoliberal sem dó nem piedade. Se utilizando do discurso de que o Estado não dispunha de capital para promover expansão foram vendidas a CELTINS – Centrais Elétricas do Tocantins, a SANEATINS – Companhia de água e esgoto e tentou, sem sucesso, privatizar a UNITINS – Universidade Estadual do Tocantins que, após corajosa resistência estudantil, acabou tendo parte de sua estrutura encampada pela Universidade Federal.

Fora do poder por oito anos Siqueira retornou em janeiro e, após seis meses de governo, já fala em privatização. Em uma década muita coisa mudou. O Consenso de Washington fracassou, o neoliberalismo, após algum tempo de hegemonia, foi colocado “na geladeira” no Brasil e na América Latina. A economia brasileira cresceu no governo do operário presidente (2003-2010) e o país se tornou um protagonista global. O povo do Tocantins talvez não tenha percebido, mas a eleição de Siqueira trouxe novamente os defensores desse pensamento para o centro do poder no Estado.

Após decretar, há poucos dias, situação de calamidade pública na saúde – no país inteiro a situação é, de longa data, ruim – o governo anunciou que irá terceirizar a administração dos hospitais públicos espalhados pelo Estado. Tecnicamente, terceirizar não é privatizar na medida em que não ocorre venda. Terceirização significa conceder a terceiros, mediante contrato ou parceria, autorização para gerir determinado setor, excluindo total ou parcialmente a participação do Estado. O fato do administrador não ter fins lucrativos não invalida o raciocínio. Terceirizar, portanto, é uma maneira de privatizar ao permitir a retirada ou diminuição do papel do Estado da gestão de um setor com o qual tem obrigações constitucionais.

Nascido com base num discurso de que seria a redenção do povo do norte de Goiás em relação à melhoria das condições de vida, o Tocantins está mais para um espaço de aplicação de políticas neoliberais (incompatíveis com objetivo mencionado). Mesmo não tendo apresentado ainda um slogan para o seu novo governo, Siqueira Campos mostra que o antigo (Estado da Livre iniciativa) continua atual.

Iltami Rodrigues da Silva é Historiador é Professor no Colégio João XXIII em Colinas do Tocantins.