Entre os dias 20 e 24 de agosto, integrantes do
grupo formado pelo Ministério Público Federal, Funai, Universidade Federal do
Tocantins, Secretaria Especial de Saúde Indígena, Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos do Tocantins e Secretaria de Educação do Tocantins realizaram
trabalho de campo nas aldeias karajá do município de Lagoa da Confusão. O
objetivo foi definir ações práticas que viabilizem melhoria nas condições de
vida do povo karajá e a consequente redução nos altos índices de alcoolismo e
suicídio, principalmente entre os jovens.
Segundo informações do Distrito Sanitário Especial
Indígena de São Félix do Araguaia (Dsei-Araguaia), de janeiro a agosto de 2012
ocorreram sete óbitos em decorrência de suicídio, além da constatação de
aproximadamente 80 situações de vulnerabilidade que englobam tentativas,
ameaças e ideação. A população karajá na área de influência do Dsei Araguaia é
de cerca de 4000 índios.
Com a informação prévia do gosto dos karajá pelo
esporte, a promoção dos chamados Jogos Olímpicos Karajá é vista como uma
alternativa imediata para buscar reduzir a incidência de alcoolismo e suicídio
entre os índios. Com a participação da comunidade indígena, estão sendo
definidos os locais, modalidades e regras. Serão esportes assimilados da
sociedade envolvente, como futebol e volei, e tradicionais, como corrida,
canoagem e luta. Inicialmente são previstos para dois dias de jogos em cada
aldeia, sem permissão para uso de bebida. Paralelamente às competições, serão
realizadas palestras e oficinas abordando temas como saúde bucal, DST's,
artesanato, alimentação tradicional e educação ambiental. Equipes de crianças
farão a coleta de lixo reciclável nas aldeias, em formato de gincana. As
premiações não serão em dinheiro. As prospostas sobre os jogos, como
modalidades e oficinas, ainda estão em fase de debate.
Segurança
Tema recorrente durante as reuniões com os índios,
a manutenção de uma guarda indígena empenhada na fiscalização da entrada e
consumo de álcool nas aldeias é considerada necessária pelas lideranças. Após o
seminário a respeito de causas do alcoolismo realizado em 2010, quando foi
decidida proibição do uso de álcool nas aldeias e experimentada a implantação
da guarda, a redução de distúrbios provocados pelo abuso de álcool foi
sensível, segundo os índios. O abuso de bebida nas aldeias continuou após o
desmantelamento das equipes por falta de recursos para remuneração.
O procurador da República Álvaro Manzano explicou
que a proibição da venda de bebida aos índios no comércio é discriminatória,
apesar de muitas lideranças considerarem a medida extrema como necessária. O
procurador ressaltou que na terra indígena os índios têm autonomia para
deliberar, decidir e implementar a proibição da entrada e consumo de álcool.
As regras de conduta estabelecidas foram
esmorecendo devido a exceções abertas pelos próprios índios, para permitir o
consumo de álcool durante as festas. Segundo João Werreria, liderança da aldeia
Santa Isabel, mais grave que o consumo de álcool nas aldeias é a
comercialização feita pelos próprios índios.
Conflito existencial
Em diversos momentos do trabalho, os índios
ressaltaram sua condição cultural conflituosa, pois vivem simultaneamente a
influência de seus costumes tradicionais e da sociedade envolvente, com valores
opostos, fato apontado como sendo um dos fatores que podem estar relacionados
ao alcoolismo e suicídios. Com a modernidade cada vez mais próxima das aldeias
e o consequente apelo ao consumo de tecnologia, os mais jovens não querem mais
plantar roça, caçar e pescar ou produzir artesanato, apenas comprar na cidade
produtos do branco como refrigerantes e eletrônicos, o que demanda recursos
financeiros nem sempre disponíveis.
A desestruturação familiar também foi apontada
como possível causa da crise de identidade vivida pelos jovens índios, que gradativamente
perdem o respeito pela autoridade tradicional das lideranças, pajés e caciques,
e se voltam a hábitos do branco como abuso de álcool cada vez mais cedo. No
caso dos suicídios, a questão cultural é considerada relevante pela comunidade
indígena. Após série de suicídios ocorridos no ano passado, foram chamados
pajés da região do Xingu para ajudar a desfazer os feitiços que teriam causado
as mortes. (Ascom MPF)