O mais recente livro de poesias do jornalista, poeta,
escritor e compositor Gilson Cavalcante será lançado no dia 22 de novembro, no
Mumbuca. “A Mofina-flor de Morfeu” foi premiado na Bolsa de Publicações Hugo de
Carvalho Ramos, da União Brasileira de Escritores – seção de Goiás, no ano
passado, e foi impresso pela gráfica da Universidade Federal de Goiás (UFGO).
Como prêmio, o poeta teve sua obra publicada (90 poemas) e mais 20 salários
mínimos em dinheiro. “A Mofina-flor de Morfeu” é composto de poemas densos que
falam da dor, do vazio e do nada, de forma lírica, filosófica, com pitadas de
humor e com um esmerado jogo de palavras bem construído.
O livro de Gilson Cavalcante, de acordo com a comissão julgadora, composta
pelos escritores e críticos literários Delermando Vieira Sobrinho, Carlos
Willian Leite e Maria de Fátima Gonçalves Lima, “A Mofrina-flor de Morfeu”
trata-se de uma obra poética “erguida dentro do contexto existencial, muito bem
estruturada, cuja lírica se concretiza ao fôlego das ideias inerentes à dor
humana, como, também, à eficácia do jogo de palavras, seus significados,
estigmas e vicissitudes, tão correlatos ao íntimo do ser”.
A comissão conclui que o poeta Gilson Cavalcante “trabalha com concisão,
lirismo, sem, contudo, deixar-se perder em suas nuances poéticas, ao sentido de
suas ideias, bem como às imagéticas, mensagem e sabedoria”.
O poeta abre sua Morfina-flor com o seguinte poema: Entro neste livro como um gerúndio: doendo, sangrando em palavras,
ardendo na área do conflito. Não sei se voo ou grito.
Depois apresenta a dor que sente: Eis
aqui a dor: poema irrigado a sangue e morfina. O amor furou meus olhos, o
amor-fêmea. Amorfo, procuro nos ossos o gesto de mim - forma e fundo. A dor
morfológica morfema, morfina-flor. O poema em conta-gotas comprimido no
coágulo. Grito, grito para anunciar essa dor coletiva que nos aglutina na
contorção do mito.
Gilson Cavalcante se despede de sua dor e do seu vazio com o poema
“Em companhia de mim mesmo”
saio deste livro
(não sei se livre)
pingando o último poema
porém aliviado
apenas com uma cicatriz
nos olhos
vou voltar ao passado
e levo como presente
as coisas que deixei de lado
o futuro é o que se faz
alado.
Gilson já publicou 6 livros de poesia, dos quais dois foram premiados. "69
Poemas - Dos Lençóis e da Carne", em parceria com Hélverton Baiano,
"Lâmpadas ao Abismo". "Ré/Ínventário da Paisagem",
"Poemas da Margem Esquerda do Rio de Dentro", este contemplado com
menção honrosa especial no concurso literário nacional PRÊMIO CIDADE DE JUIZ DE
FORA, em 2001, "O Bordado da Urtiga", prêmio da Bolsa de Publicações
Maximiano da Matta Teixeira, 2008, da Fundação Cultural do Tocantins, e
"Anima Animus - O Decote de Vênus", Estes dois últimos foram
publicados em 2009, sendo o primeiro em julho e o último no dia 31/12/09. Já
ganhou vários concursos literários em Goiás e em outras regiões, com poemas
avulsos.
III
não fui eu
quem inventou
a anestesia
nem o Anador.
inventei essa poesia
como tentativa de alívio
para nossa insônia.
nem o vazio inventei
embora repleto
em seu conteúdo.
de repente
sou o adorador
de ausências
enrolando o fogo
no círculo da serpente.
IV
dorme em mim
uma dor de marfim
não é de mármore
a memória do muro
de Berlim
vivo de acidentes
para recompor os olhos
diante da paisagem
visto que outono
me desmancha do outro
lado do ocidente
minha dor onera o sono
e Morfeu acorda os meus ombros
para o pesadelo de Sísifo
a pedra que tudo protela
me arremessa o corpo
acima da primavera
VIII
em Edu
a dor se educou
no fígado
(nas vísceras
o fogo de Prometeu)
a dor pedagógica
ensina o caminho
da lógica da flor
e do espinho
a dor e as suas aulas
de abstracionismo
no alívio do concreto
da arte de ¼ moderno
a cor da dor
no mar-te-lo ver-me-lho
inter-fere, Interferon
dentro da metáfora
a agulha se faz fantasia
dor, azia, ânsia
nem por isso a eutanásia
só quem tece a dor no fígado
sabe o fogo e o hálito do abismo
XII
codificaram a nossa dor
no DOI-CODI
a dor de não-lágrimas
a dor do silêncio
nossos retratos em 3x4
nossos dados gritos dedos
empilhados nos arquivos
mortos pesaram
sobre os anos de chumbo
o inventário dos ossos nossos
dilatados nos olhos
a delação na dor
embrulhada pela página
virada da história
de que adianta a exumação
dos cadáveres se a dor continua
com os seus martelos vermelhos?
XVII
se me doo
não grito
doar não
me deixa aflito
doer:
nosso eterno conflito
XX
a dor é transparente
e vem na ponta d´agulha
líquida onde mora
seu antídoto
antes do mito
ela mente
essa dor passa no sono?
dormir a dor
é um ledo engano
doer infinitamente
até entendermos a morfologia
desse sentimento
até doarmos o sangue
suficiente da guerra
que inventamos
ou sagrarmos
até a última gota do poema
a dor como dom
do resgate é plena
V
na mulher
a dor é mais antiga.
desde a sua descida do Paraíso
ela está decidida a doer na Terra
predestinada que foi
ao sangramento mensal
a mulher sangra o sagrado
fruto predicado da cólica
há milênios ela vem
doendo seus amores
a dor da renúncia
dói ainda em sua forquilha
(semi-aberta cicatriz)
pra fazer o homem
feliz