A distribuição das 66 unidades judiciárias existentes para julgar exclusivamente as causas de violência doméstica e familiar contra as mulheres não é proporcional nas cinco regiões do Brasil. É o que revela a pesquisa "A Atuação do Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha", um mapa inédito sobre a estrutura judicial destinada à efetivação da Lei nº 11.340, promulgada em agosto de 2006 para fomentar o combate a esse tipo de crime. O estudo foi divulgado nesta terça-feira (19/3), em Brasília, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, a pesquisa mostra que as varas e juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência exclusiva (ou seja, que só analisam casos relacionados à Lei Maria da Penha) processaram 677.087 procedimentos até dezembro de 2011. Com vistas a analisar a estrutura existente para atender essa demanda, a pesquisa mostra onde estão distribuídas as unidades judiciárias, aponta quais regiões têm déficit no tocante à assistência judicial destinada às vítimas e propõe a criação de 54 novos juízos em municípios considerados chaves pela concentração demográfica e a dispersão da estrutura judiciária de forma uniforme e ordenada no território nacional."É um trabalho extremamente simples, mas que permite uma visão sobre a atuação do Poder Judiciário no combate à violência doméstica contra a mulher. Os números da pesquisa revelam que a violência acontece, sobretudo, no lar, onde deveria haver harmonia", disse o conselheiro Ney Freitas, presidente da Comissão de Cidadania e Acesso à Justiça, órgão do CNJ responsável pela articulação das ações de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mapa - O estudo também faz uma análise acerca da agressão contra as mulheres no Brasil. As conclusões foram elaboradas com base nos dados do Mapa da Violência, elaborado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), parceira do CNJ em outras iniciativas de divulgação da Lei Maria da Penha, assim como da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O conselheiro Ney Freitas explicou que a pesquisa contribuirá significativamente para a construção de políticas públicas, justamente porque permite a identificação das regiões pouco ou nada atendidas pela rede judiciária.
Segundo o estudo, o Sudeste, composto por quatro estados que juntos somam o maior contingente populacional do Brasil, possui a maior quantidade de unidades judiciais com competência exclusiva: 20 no total. O Nordeste, por sua vez, é a segunda região mais populosa do Brasil e dispõe somente de 15 varas ou juizados da violência doméstica e familiar nos seus nove estados.
Ranking - O desequilíbrio se verifica também no Sul, que ocupa o terceiro lugar no ranking populacional brasileiro. O estudo mostra que os estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná dispõem, cada qual, de apenas uma vara ou juizado da violência doméstica e familiar exclusiva para atender, respectivamente, a uma média de 5,48 milhões, 5,3 milhões e 3,1 milhões de mulheres. De acordo com a pesquisa, nessa região não se iniciou ainda o processo de interiorização das estruturas de competência exclusiva.
Na Região Norte, a situação é similar. Roraima, Rondônia, Amazonas, Acre e Amapá contam com apenas uma unidade judiciária, cada qual destinada exclusivamente ao julgamento dos casos relacionados à Lei Maria da Penha. Tocantins e Pará são os que registram o maior número de varas ou juizados – três e quatro juízos, respectivamente.
A desproporcionalidade é observada ainda no Centro-Oeste. A região, que é a menos populosa do país, possui 16 varas ou juizados exclusivos para o julgamento de processos relacionados à Lei Maria da Penha. Dez dessas unidades judiciárias encontram-se no Distrito Federal, cuja população não chega a 2,7 milhões de pessoas. Com número de habitantes superior ao da capital, os demais estados da região registram quantidade menor de varas e juizados especializados: Mato Grosso conta com apenas quatro, enquanto Mato Grosso do Sul e Goiás têm somente uma unidade judiciária exclusiva.
A pesquisadora do DPJ Ana Paula Antunes Martins explicou que o estudo contribuirá para a expansão da rede de atendimento à mulher. "Não tínhamos um mapa completo de onde estava essa estrutura judicial de processamento exclusivo de ações referentes à Lei Maria da Penha. A partir desse estudo, poderemos verificar o cumprimento ou observância de onde estão essas unidades. Podemos também, com o relatório, contribuir para a formulação de políticas judiciárias de expansão da rede de atendimento à mulher, o que inclui os juizados. É importante que as mulheres de diferentes localidades possam ter acesso adequado à prestação jurisdicional", afirmou.
Proposta – O estudo propõe a instalação de 54 varas ou juizados da violência contra a mulher: a maioria em cidades limítrofes, do interior e com grande concentração populacional, para atender de forma adequada a demanda existente.
No Sudeste, a sugestão é criar duas novas unidades no Espírito Santo, três no Rio de Janeiro, quatro em Minas Gerais e cinco em São Paulo. Para o Nordeste, a proposta são 18 novas varas ou juizados – sendo uma unidade judiciária para Alagoas, quatro para a Bahia, duas para o Ceará, duas para o Maranhão, três para Pernambuco, uma para a Paraíba, duas para o Piauí, duas para Sergipe e uma para o Rio Grande do Norte.
Em relação ao Sul, o estudo sugere a criação de nove juízos, distribuídos entre Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Para o Centro-Oeste, a pesquisa destaca serem necessárias mais seis unidades judiciárias, a serem instaladas igualmente nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para a Região Norte, o estudo pede mais cinco varas ou juizados especiais, distribuídos entre Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Amazonas.
Se a proposta for cumprida, o número de varas ou juizados exclusivos da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil praticamente dobrará, subindo para 120 unidades judiciárias especializadas nesse tipo de atendimento. (Com informações do CNJ)