A lamparina - artefato de metal abastecido por querosene e de onde sai uma mecha de algodão que queima ao longo da noite -, pode até ser desconhecida para muitos brasileiros, porém, ela representa a luz em muitas casas da zona rural tocantinense. A pequena labareda ilumina o ambiente e é a marca do atraso e da falta de acesso aos avanços do mundo contemporâneo.
No Tocantins, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, a população está distribuída entre 78,81% na zona urbana e 21,19% na zona rural, neste último são 293.212 pessoas que vivem do que produzem e onde a energia elétrica representa mais que ter lâmpadas acesas em casa, é a tecnologia chegando; plantios com mais qualidade, melhor aproveitamento da terra, a agricultura familiar sendo fortalecida, o homem do campo no campo produzindo, gerando renda e melhor condição de vida. Apesar de tantos benefícios nem todos foram contemplados com essa prestação deste serviço público essencial.
Uma realidade bem diferente do que preconizava o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos, através do Decreto Federal nº 7.520, de 8 de julho de 2011. A norma determinava o prazo de dezembro de 2014 para que o serviço chegasse a todos no Estado do Tocantins, mas a Concessionária local tem entendimento diferente, um prazo elástico demais: 2027, ignorando assim o Termo de Compromisso com o Ministério das Minas e Energias onde deveriam ser contemplados 49.500 domicílios sem acesso à energia elétrica. Deste total, foi efetuado o atendimento a apenas 18.892 domicílios até dezembro de 2010, restando um saldo de 30.608 imóveis a serem executados no período de 2011 a 2013 – meta não cumprida tendo em vista também o problema financeiro e de gestão passado pela concessionária.
Diante dessa situação, a Defensoria Pública do Tocantins - por intermédio dos Núcleos de Ações Coletivas e Defensoria Pública Agrária – e a Defensoria Pública da União, em atuação litisconsorcial, propuseram Ação Civil Pública – ACP, Condenatória com Preceito Mandamental em Tutela de Urgência, consistente na imposição de fazer contra a União Federal, Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica, Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A., Eletronorte – Centrais Elétrica do Norte do Brasil S.A., e Celtins – Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins.
A ACP pede entre outras medidas: 1) A Concessão da Tutela Antecipada; a execução do Programa “Luz para Todos” no âmbito do Estado do Tocantins, conforme previsão do Manual de Operacionalização pela Eletronorte, e caso o entendimento seja diferente que a responsabilidade seja dada a União Federal, por meio do Ministério das Minas e Energias, a Aneel, a Eletrobrás, a Eletronorte e a Celtins.
A justificativa para tal pedido está em situações encontradas pela Defensoria Pública do Tocantins nas visitas realizadas na zona rural do Estado, em destaque às Comunidades Quilombolas - Kalunga do Mimoso – município de Arraias; São Joaquim – Porto Alegre do Tocantins; Baião – Almas; Poço Dantas – Almas; Lageado – Dianópolis; Laginha – Porto Alegre do Tocantins e Grotão – Filadélfia. Centenas de pessoas paradas no tempo da escuridão e da arcaica figura da lamparina, sem energia elétrica, sem acesso a informações e com os direitos humanos violados, como foi o caso de Raimundo Nonato Nunes de Barros e a esposa, os dois insulinos dependentes e que até bem pouco tempo viviam no escuro e sem condições de realizar tratamento necessário à continuação da vida.
Mais recentemente a Defensoria Pública encontrou outros absurdos. No povoado Prata, município de São Félix do Tocantins, a rede de energia beneficia uma parte da comunidade, há casos que um vizinho tem luz em casa e outro do escuro observa a iluminação e sofre pelo descaso.
Em Chapada da Natividade, a Escola São José também sofre com a falta de energia. Localizada na comunidade São José, o prédio é novo, recém-construído, há menos de 20 metros da construção existe um poste, mas a fiação está perdida em meio às promessas e perspectivas da Companhia de Energia responsável pela instalação. Enquanto isso, os alunos se dividem entre o calor insuportável e as aulas.
A Ação Litisconsorcial deseja em sua síntese que o Programa seja cumprido e dessa forma resulte em incremento da produção agrícola, o aumento de renda, a inclusão social da população, e, principalmente, uma vida digna sem a privação de serviços essenciais.
O programa “luz para todos" – LPT
O Programa foi concebido como instrumento de desenvolvimento e inclusão social, pois, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2000 existiam dois milhões de domicílios rurais não atendidos pela prestação dos serviços de energia elétrica. Ou seja, aproximadamente dez milhões de brasileiros viviam, no meio rural, sem acesso a esse serviço público, sendo que cerca de noventa por cento dessas famílias possuíam renda inferior a três salários mínimos.
Em sua primeira etapa, o Programa objetivou levar energia elétrica, até o ano de 2008, àqueles domicílios rurais identificados pelo IBGE. No entanto, durante a execução do Programa, novas famílias foram localizadas sem energia elétrica em suas residências, o que resultou na edição do Decreto no 6.442, de 25 de abril de 2008, ampliando-se, portanto, os objetivos no caminho à erradicação da exclusão elétrica e prorrogando-se o prazo inicial para o final do ano de 2010.
Posteriormente, por meio do Decreto no 7.324, de 05 de outubro de 2010, o Governo Federal assegurou a prorrogação do prazo de execução das ligações destinadas ao atendimento em energia elétrica, até 31 de dezembro de 2011, tão somente com o objetivo de garantir a finalização das obras contratadas ou que estivessem em processo de contratação até 30 de outubro de 2010.
O Programa teve a meta original de dois milhões de ligações, atendida em maio de 2009, beneficiando dez milhões de pessoas. Com a prorrogação do Programa para 2010, a nova meta foi estabelecida em dois milhões, novecentos e sessenta e cinco mil, novecentos e oitenta e oito domicílios. Até julho de 2011 foram atendidos dois milhões, oitocentos e quatro mil, seiscentos e sessenta e nove domicílios, beneficiando quatorze milhões, vinte e três mil, trezentos e quarenta e cinco pessoas.
Não obstante os significativos resultados observados na execução das metas fixadas, novas demandas surgiram, em sua maioria, localizadas nas regiões Norte e Nordeste do País, que já apresentavam os maiores índices de exclusão elétrica à época do lançamento do Programa em 2003.
Além das dificuldades de logística para a execução das obras, as citadas Regiões concentram, dentre outras, parcela significativa da população contemplada no Plano Brasil Sem Miséria, do Programa Territórios da Cidadania e minorias sociais, tais como: quilombolas, indígenas e comunidades localizadas em reservas extrativistas e em áreas de empreendimentos do setor elétrico, cuja responsabilidade não esteja definida para o executor do empreendimento. (Ascom Defensoria Pública)