Uma pesquisa inédita, realizada pelo Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUCRS (Caes), mapeou as experiências de violência no cotidiano de crianças que vivem em favelas do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. Os resultados apontam que elas sofrem violência física e psicológica a partir do primeiro ano de vida, ficando mais intensa entre os 2 e 4 anos de idade. Foi constatado, também, que as mães são as pessoas que mais praticam atos violentos contra os filhos, incluindo grito, castigo e violência física. Em Recife, 73% delas batem nos filhos; no Rio, 71%; e em São Paulo, o número cai para 58%. Tanto em Recife (71%) quanto em São Paulo (51%), as avós são as pessoas que mais batem nas crianças depois das mães.
O estudo Infância e violência: cotidiano de crianças pequenas em favelas e cortiços foi financiado pela Fundação Bernard van Leer, da Holanda, e foi realizado entre 2012 e 2014 nas três cidades. Segundo o coordenador da pesquisa, professor Hermílio Santos, foram aplicados sete instrumentos de coleta e realizados oito tipos de análise. “Entrevistamos crianças e pais moradores de favelas, lideranças da comunidade e organizações que atuam nos locais. Também promovemos discussões com grupos de adolescentes, dinâmicas com crianças e entrevistas (narrativas biográficas) com duas gerações de uma mesma família”, aponta.
O pesquisador lembra que, apesar dos altos índices de violência, a grande maioria das mães que respondeu ao questionário em São Paulo (63%) afirma que conversar com a criança é a melhor atitude para dar limites. Apenas 1% diz que “dar uns tapas” seria a ação adequada. Elas também consideram a prática da violência física e psicológica ineficiente para educar a criança. Para Santos, a prevenção destes atos deve começar com ações de conscientização voltadas às gestantes, com a ampliação do pré-natal. “Essas mães não têm outro tipo de experiência além da violência física, embora saibam que ela não tenha eficácia”, afirma.
Nas três cidades estudadas, o tipo de violência mais vivenciado pelos pequenos é “ver alguém sendo levado pela polícia”. Segundo as próprias crianças, 78% delas são colocadas de castigo no RJ. Recife é a cidade em que os adultos mais gritam com as crianças (71%), e também onde mais se bate (75% delas afirma apanhar em casa).
Em um grupo de discussão, as crianças demonstraram que existe um profundo sentimento de insegurança em relação às intervenções do tráfico e da polícia. Elas também conseguem, desde muito cedo, compreender as regras e demandas impostas pelos traficantes nas comunidades em que vivem. O estudo mostrou, ainda, que a agressividade e a instabilidade emocional aparecem como formas não verbais de expressão de conflitos familiares e comunitários. (EBC)