A juíza da 1ª Vara Cível da Comarca de Colinas do Tocantins, Grace Kelly Sampaio, concedeu liminarmente a antecipação de tutela para determinar que A. V. D. S., uma paciente de Brasilândia (TO), tenha acesso ao fornecimento de uma substância contra o câncer produzida pela Universidade de São Paulo (USP), Campus de São Carlos (SP).
Segundo a decisão, de 29 de outubro, a universidade tem 15 dias (a partir da notificação), para disponibilizar a "fosfoetanolamina sintética" em quantidade suficiente para garantir o tratamento contra câncer, sob a supervisão de algum dos membros da equipe de pesquisadores integrada por Gilberto Orivaldo Chierice (químico que desenvolveu a substância).
"Tais cautelas visam dar maior segurança de que a substância contida nas cápsulas a serem entregues à parte autora será exatamente a mesma desenvolvida por esses pesquisadores e já fornecida a inúmeros pacientes que relataram sucesso em seus tratamentos", anota a juíza, que concedeu o prazo de 40 dias para a universidade responder à ação, protocolada no dia 16 de outubro.
A decisão também adverte a USP-São Carlos que o descumprimento da decisão judicial caracteriza ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeito a universidade à multa ser arbitrada pela Justiça e ainda acarretar as penas do crime de desobediência.
O pedido
Na ação, a autora A. V. D. S., que é servidora pública residente em Brasilândia, comprova diagnóstico com um dos tipos mais comuns de câncer de mama, no lado direito (um carcinoma mamário invasivo, grau nuclear 2). A paciente justifica a necessidade dessa substância para submeter-se ao tratamento defendendo que o uso poderá lhe proporcionar maior sobrevida e melhora na qualidade de vida "pois dentre os cruéis efeitos da doença sofre fortes dores por todo o corpo". Segundo o processo, foram encontrados cinco tumores na paciente, que deverá passar por cirurgia para a retirada total da mama.
Esperança
Ao decidir, a juíza apresenta um longo relato, fundamentado e emocionado, em torno da polêmica sobre o uso da "fosfoetanolamina sintética", no qual apresenta visões e argumentos a favor e contra a substância. Ela lembra que a questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Edson Fachin autorizou o fornecimento da substância a uma paciente, independentemente de registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
De acordo com a juíza, a jurisprudência do STF “é firme” em reconhecer que a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e seus órgãos descentralizados “tem o dever de assegurar o direito à saúde, na forma dos artigos 23, II, e 196, ambos da Constituição Federal”.
Com base nesse entendimento a juíza defende que autora não pode ser "privada de ter acesso ao tratamento experimental desejado, de baixíssimo custo financeiro, que poderá salvar-lhe a vida, ou dar-lhe uma sobrevida mais longa e digna, "apenas porque por questões burocráticas os detentores da patente da fosfoetanolamina sintética não conseguiram ainda obter o seu registro na Anvisa".
"Dentre os benefícios do uso da fosfoetanolamina, não se pode olvidar o fator esperança! Imagine-se o leitor desta decisão na posição de um portador de câncer, com sentença de morte iminente, já com intenso sofrimento físico, dores lancinantes e a um custo financeiro capaz de depauperar todo o patrimônio que a família gastou gerações para amealhar com trabalho honesto. Diante de tantos relatos de sucesso desse tratamento, seria desumano, monstruoso, tolher a esperança que resta a esse doente e sua família!", escreve a magistrada, ao ressalvar que seu "veredicto não se funda em paixão, mas em compaixão".