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Opinião

É digno de consideração que o convívio nos lugares comuns do Brasil está cada vez mais difícil e, em muitos casos, inviável. Alguns chamam esses lugares de espaços públicos, locais de interação ou ambientes de troca; outros são antropologicamente mais sofisticados: regiões de encontro na diferença.

Ressalto essa dificuldade porque, em muitos de meus textos, escrevi sobre a meia-cidadania, tão barata mas danosa ao país. Barata porque a maioria dos brasileiros cresce despreparada para o progresso e o trabalho por falta de atenção de governantes e familiares; e danosa porque já prevemos aonde isso conduz nosso país e que podemos esperar de nossa gente...

Quando introduzi a noção de meia-cidadania (leia, por exemplo, os textos Instrução cívica eDisfarce de meio-cidadãos), pensei naquele monte de gente que cresce sem instrução para que se porte minimamente bem nos lugares comuns do Brasil que mencionei acima. É fato que todos têm algum tipo de instrução, por isso não existe o “sem educação”; no entanto, falo sem hesitação que os “mal-educados” aumentam em número e tomam conta.

Desta vez, minha preocupação está ampliada, visto que a brecha entre os supereducados e os mal-educados alarga-se no Brasil. Aqui não se vê um meio-termo ou um ponto de convergência para que sua população entenda-se nos lugares comuns. Recordo que o historiador Manoel Bomfim meditava sobre as ondas de doutores que flutuam sobre o mar de analfabetos.

Teimo em concordar com esse ilustre pensador sergipano, que foi tão fascinado com o Brasil quanto desencantado com sua classe política. E, de maneira igualmente realista, lamento que a distância seja tão grande entre os seres supereducados e os bichos que povoam nossas cidades. Há cidadãos que devem tolerar o convívio com ogros nos lugares comuns.

Contudo, a tolerância para esse convívio tem, para muitos, um limite. É por isso que pessoas blindam seus carros, mudam-se a condomínios, levantam cercas elétricas e investem em segurança privada; ainda, põem seus filhos em escolas caras, frequentam lugares de escol, deixam de investir no Brasil, enviam seu dinheiro ao exterior e passeiam mais em shoppings que ao ar livre. Há muitos indicadores da existência de dois Brasis dentro de um.

Logo, muitos diriam que tudo isso é apenas efeito da diversidade. Mas esquecem que, nos lugares comuns, há regras de convívio e que o outro merece ser visto e respeitado. Não se trata, portanto, de anular a pluralidade cultural que enriquece o Brasil, mas orientá-la a que formemos muito mais cidadãos de bem que ogros pouco instruídos e nocivos ao Brasil. Nem uso aqui o critério financeiro de classificar como mais rico ou mais pobre, uma vez que há benfeitores de poucos ingressos e seres danosos abastados.

Não tenho dúvida de que esse ajuste aumentaria o entendimento entre pessoas, reduziria o recurso a violência, ampliaria as oportunidades de gozos materiais e espirituais, orientaria melhor os motoqueiros (a escória do trânsito no Brasil), baixaria a altura dos muros entre as casas, melhoraria a confiança em agentes de segurança pública, daria educação cívica similar a todos, investiria em negócios no Brasil para gerar emprego e incitar a competitividade, e não deixaria o menor motivo para “rolezinhos”.

Esse cenário, porém, tem hoje traços de utopia. Há um tipo de gente bastante pernicioso que se prolifera no Brasil sem receio de políticos nem de governantes. A crise que nosso país atravessa – assim, lamento contrariar a visão de muitos – não é só da cúpula do poder, mas principalmente cívica, basilar e instrutiva. Cada brasileiro é enormemente culpado, ainda que se esconda atrás da alienação de seu dia-a-dia e em frente da televisão.

*Bruno Peron é doutor em Políticas Culturais por Birkbeck College - University of London, e mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidad Nacional Autónoma de México; autor de oito livros em versão eletrônica, incluindo Aresta da razão (2013), Aresta da prudência (2014) e Aresta da desilusão (2015)