Somos mais de duzentos milhões de brasileiros de cor, raças, crenças diferentes. Nós todos, filhos de uma nação que contempla e preserva a diversidade de idéias, de culturas, de gostos. Exemplo: uns são botafoguenses, como eu; outros torcem para outros times. Formamos legiões de torcedores que vestimos as camisas de nossos clubes - alvinegros, rubronegros, cruzmaltinos, esmeraldinos, tricolores, colorados, azulinos... Ao fim, isso pouco importa. Isso nunca nos impediu de compartilharmos a mesa, de dialogarmos amistosamente, de nos aceitarmos como diferentes nos detalhes, mas iguais no fundamental: homens e mulheres merecedores de tratamento digno e respeitoso.
De algum tempo para cá, no entanto, entramos em uma preocupante espiral de ódio e ressentimento. Não foram as religiões, o futebol, etc. que nos dividiu profundamente: foi a Política. A crise que ameaça a presidente da República de ser afastada no processo de impeachment deflagrou sentimentos que estão a colocar o país em radical divisão. Muitos dentre nós passaram a tratar parentes, amigos antigos, colegas de trabalho por palavras duras, rudes. Vivemos em um momento de crescente intolerância.
Isso não contribui em nada para o diálogo tão necessário nesse tempo de crise. Ninguém é obrigado a concordar com o governo que aí está, nem qualquer outro governo. Mas é preciso saber que seja quem for que nos governe, é governante de todos, tem responsabilidade com que o apoia e com quem o critica. E que não adianta querer transformar quem diverge de nós em inimigo: os governos, nas democracias, são transitórios. As urnas que hoje ungem uns, amanhã ungirão outros. Só o país permanece, só o povo fica.
O muro que se ergueu na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, nas portas do Congresso Nacional, é uma parede que nos envergonha. Mostra que estamos, pela primeira vez na história republicana, fracassando como povo capaz de conversar com civilidade. Apesar de ser uma medida que visa a proteção dos manifestantes, ela expõe o quanto estamos nos tornando incapazes de ver no outro um igual, apesar das diferenças de opinião.
Após a votação na Câmara dos Deputados, agendada para o domingo, dia 17 de abril, o Brasil seguirá com ou sem o comando da presidente Dilma Rousseff. O lado vencedor não terá o direito de esmagar o vencido e este não terá o direito de contestar violentamente o resultado da decisão do parlamento. A nossa evolução como democracia exige isso.
Já vivemos momentos de grande mobilização popular e apreensão cívica - as Diretas-Já, a eleição de Tancredo Neves, o impeachment do presidente Collor... Nunca, antes, porém, o Brasil foi tão dividido. Nunca foi necessário erguer muros. Até porque a praça é do Povo, como já dizia o poeta Castro Alves.
A nós, homens públicos, cabe a serenidade nessa hora complicada. Mas aos cidadãos também se deve exigir maturidade. O Brasil ainda é um país jovem, mas damos sinais de evolução institucional. O Estado de Direito está funcionando como nunca antes. Os juízes estão atuando com liberdade. O Ministério Público tem acionado o Judiciário com bravura. A Polícia tem investigado a todos destemidamente, sem se curvar à autoridade. O Congresso está processando a chefe do Poder Executivo. A tudo isso vigia uma imprensa independente, que ora registra os acertos, ora anota os erros de todos esses agentes públicos. Os olhos da nação estão abertos e o povo está nas ruas.
Que o domingo seja de tranquilidade. Que os dias seguintes sejam pacíficos. Que os derrotados saibam respeitar os vencedores. E que os vencedores saibam ser tolerantes. Todos passarão, mas o Brasil ficará. E os brasileiros precisaremos viver em paz. Há uma crise econômica para resolver. Há desafios sociais para enfrentar. Será muito menos difícil a tarefa se não estivermos calados pelo preconceito e paralisados pela cegueira de nossas paixões políticas.
*Vicentinho Alves é senador da República e presidente do Partido da República no Estado do Tocantins