O futurista americano Frank Spencer analisou em artigo recente por que as catástrofes e o negativismo exercem tão grande fascínio sobre as pessoas. Somos, avalia ele, cada vez mais levados a enxergar tudo sob uma perspectiva de curto prazo e a duvidar de nossas possibilidades e capacidades transformadoras. Nada de levar em conta a trajetória humana em prazos mais longos – como no último século, em que a humanidade alcançou grande avanço e progresso. Segundo Spencer, quem busca emergir do pessimismo desse nosso tempo, apontando os avanços em todos os campos da atividade humana, corre o risco de ser ridicularizado e caracterizado como ingênuo e simplista. E, pior, muitos acreditam que a ênfase no negativo os coloca em uma posição de superioridade intelectual, o que só faz crescer a multidão de pessimistas.
Má notícia para o Brasil, imerso em séria crise política, com profundas repercussões na economia e na vida da sociedade. Ao infortúnio nacional somam-se abundantes prenúncios de catástrofes globais, a todo tempo antecipadas em todas as mídias: o crescimento do nacionalismo, da xenofobia e do risco de caos econômico; o acirramento dos conflitos religiosos, do terrorismo e do ódio racial; as pandemias e o terrorismo digital; a mudança climática trazendo estresses intoleráveis; a vigilância de governos e corporações; a erosão das conexões entre humanos; a corrupção corporativa e muito, muito mais. Os profetas do infortúnio parecem dominar todas as visões do futuro, espalhando o sentimento da insegurança e do desespero e nos afogando em um mar de cenários apocalípticos.
Spencer conclui que devemos, sim, pensar sobre o futuro com um olhar crítico, mas sem deixar embaçar nosso desejo de construir caminhos virtuosos para o amanhã. O pensamento crítico não deve se dobrar ante narrativas emocionais do menor denominador comum, tão popularizadas pelas mídias sociais. Pessoas esclarecidas não devem se deixar manipular pela popularidade da mensagem de destruição e tristeza que ganha as multidões. Assim como reconhecer possíveis futuros negativos não faz alguém pessimista, trabalhar para construir uma cultura de transformação otimista não faz de alguém um utópico ingênuo e intelectualmente inferior. O mundo só se tornará melhor se investirmos nosso tempo e nossa energia em imaginar e construir futuros transformacionais, em vez de nos debatermos no pessimismo disfarçado de intelectualismo.
Recentemente, retornei de missão oficial aos Estados Unidos, dedicada a prospectar oportunidades de cooperação científica para a Embrapa, ocasião em que falei, para diversos públicos, sobre o Brasil da excelência, dos desafios, do êxito e da resiliência. Enfim, falei do Brasil que resiste à crise e segue impressionando a todos. Por onde passei, destaquei o Brasil como a maior nação do cinturão tropical do globo, uma das dez maiores economias do planeta, grande produtor e exportador agrícola, provedor que ajuda a alimentar perto de um bilhão de pessoas ao redor do mundo, de forma sustentável. A intensa agenda de seminários, visitas e diálogos envolveu organizações de ciência, tecnologia e inovação, universidades e empresas privadas nos estados de Minnesota e Califórnia e na capital Washington.
Surpreendentemente, todos os que me indagaram sobre a crise no Brasil o fizeram com postura positiva e otimista, muitos com rasgados elogios à coragem brasileira de reconhecer e enfrentar o problema da corrupção, que não está confinado às nossas fronteiras, mas disseminado em todas as partes do mundo. Apesar do incômodo que sentimos, com a exposição tão negativa do País e do custo da crise para a sociedade brasileira, é preciso saber que muitos lá fora nos olham com grande respeito e admiração. Admiração por estarmos, nós mesmos, com as nossas instituições, tratando o problema de maneira tão convicta e profunda, sem convulsões sociais ou violência.
Em todos os lugares encontrei públicos ansiosos para ouvir sobre o Brasil e sobre um dos nossos feitos mais impressionantes e admirados: a conquista da segurança alimentar e da liderança na produção de alimentos no mundo tropical. Na mesma semana em que estive fora do País, o IBGE divulgou o formidável crescimento de 13,4% do PIB da agropecuária brasileira no primeiro trimestre deste ano. Com isso, o setor registrou sua maior expansão em mais de 20 anos, retirando a economia de um ciclo de oito trimestres seguidos de retração.
Apesar disso, e de muitas outras coisas boas que acontecem no Brasil todos os dias, um grande desafio é conter o ímpeto de autoflagelação, infelizmente estimulado por muitos e de muitas formas. Na luta política e na busca de oportunidade de poder, no ceticismo e na apatia das forças que devem movimentar a produção é que reside a maior ameaça para o País: o ímpeto de desconstruir tudo na ilusão de que emergiremos das cinzas curados dos males que nos afligem. Muitos o fazem sem discernir entre o que precisa de conserto e o que segue funcionando bem e precisa ser preservado. Demonizar todas as empresas estatais porque algumas se envolveram em desvios é péssimo negócio para o País. Julgar o mundo político de maneira generalizada, simplista e superficial é também perigoso, pois o Brasil precisa construir uma solução política para a crise.
É, pois, premente que escapemos do culto ao pessimismo e à autoflagelação. O Brasil é um país extraordinário, complexo e fascinante: o que somos e temos de bom supera, em milhões de vezes, o que no momento nos causa crise e perplexidade. Esse é o momento de jogar luz e dedicar manchetes ao Brasil que dá certo, que é resiliente e que há de prevalecer!
*Maurício Antônio Lopes - Presidente da Embrapa