É dever da sociedade e do Estado promover a reintegração de ex-detentos à sociedade da qual foram segregados durante a pena, mirando a ressocialização. Porém, a realidade é bem diferente, já que conforme estimativa da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), mais de 80% das pessoas que estiveram presas não conseguem a inserção no mercado de trabalho após cumprirem o prazo de detenção. Nesse sentido, com o intuito de incentivar a reinserção social dos presos no Tocantins, bem como a inserção no mercado de trabalho, a DPE-TO em Paraíso do Tocantins, a 61 km de Palmas, deu início ao projeto Programa de Orientação e Treinamento do Assistido (Porta), voltado para a capacitação profissional de detentos da Casa de Prisão Provisória (CPP) do Município.
A reinserção no mercado de trabalho de um ex-detento é difícil e cheia de obstáculos. Além da marca de ex-presidiário, a maioria dessas pessoas não possui ensino fundamental completo e nem experiência profissional, dificultando a reinserção ao convívio social e auxiliando de forma direta no aumento da reincidência à criminalidade. “Nas unidades prisionais do Tocantins, bem como no restante do País, faltam projetos de capacitação para o mercado de trabalho. Porém, verificamos a urgente necessidade de projetos do tipo na prisão, justamente por entender que, sem a capacitação adequada para o mercado de trabalho, a maioria volta ao crime”, explicou o psicólogo da Defensoria Pública em Paraíso, Hugo Marques, proponente do projeto.
As aulas do “Porta” são realizadas três vezes por semana dentro da CPP de Paraíso e ministradas por Hugo Marques, com foco na capacitação e desenvolvimento de empregabilidade para população carcerária, buscando, através de capacitação técnica especificamente voltada ao mercado de trabalho atual, favorecer a obtenção de inserção no mercado de trabalho ao cidadão do sistema carcerário.
Mercado de Trabalho
Um dos estudantes do Projeto já trabalhou em farmácia por mais de nove anos, mas receia o retorno ao mercado de trabalho. “Não sei se vão me aceitar por conta do meu passado. Mas eu não acredito que, através do conhecimento, eu posso mudar o rumo do meu futuro e nunca mais precisar voltar pra cá”, disse o reeducando, que auxilia na unidade prisional com serviços gerais para reduzir a pena. “O meu maior sonho é a minha liberdade”, complementou.
O Tocantins conta, atualmente, com 3.920 presos, sendo a maioria de baixa renda e com baixa escolaridade. Detento da CPP de Paraíso, um desses detentos tem uma história semelhante à maioria dos presos. Ele tinha até a 4ª série do ensino fundamental quando foi preso, cumpriu a pena, mas ao retornar para o convívio social não teve conseguiu uma oportunidade. “Eu sempre sofri muito preconceito. Saía de sol a sol na rua a procura de trabalho, mas com nunca consegui uma vaga, então fazia ‘bicos’ de tudo que aparecia, até que cai no tráfico e voltei pra cadeia. Mas agora estou decidido a fazer tudo diferente, quero mudar de vida, quero me capacitar e acredito muito que esse projeto vai fazer a diferença, pois eu tenho muita vontade de vencer”, contou.
Idoso e há bastante tempo atrás das grades, um detento de 78 anos, que terminou o nível fundamental na prisão, afirmou que, apesar de saber que vai terminar o cumprimento da pena com mais de 80 anos, o curso será um divisor de águas. “Se todo mês tivesse uma palestra igual a essa todo mês, a gente ia sair diferente demais de como entramos. Só tivemos duas aulas, mas eu já me sinto mais orientado e com vontade de aprender mais”, disse.
Defensoria
Conforme a defensora pública Letícia Amorim, que supervisiona o Projeto, o grande problema de inserção de ex-presos no mercado de trabalho é o preconceito. “O preso, quando sai do sistema penitenciário, não consegue uma colocação adequada na sociedade, o que acaba fazendo que ele volte para a criminalidade por ausência de programas voltados para a sua inserção na sociedade, o que já é previsto na legislação. Se a Lei de Execuções Penais fosse devidamente aplicada, a maioria dessas coisas não estaria acontecendo”, considerou.
Na abertura da aula na CPP de Paraíso, realizada no último dia 8, a defensora pública falou sobre a importância do projeto para a ressocialização dos presos. “O tempo aqui dentro muitas vezes é ocioso, pela falta de projetos de reinserção social no Estado, mas a nossa intenção é contribuir com um futuro melhor. É difícil, é complicado, mas estamos aqui para ajudá-los. Então, que vocês aproveitem a oportunidade de vislumbrar novos horizontes e tentar mudar o estigma de ser só alguém que saiu do sistema carcerário”, ressaltou.
Cada ciclo do projeto atende em média dez presidiários, mas o objetivo é atender no mínimo 80 homens, até o final deste ano. “A nossa intenção é trabalhar a superação desse ciclo de vida, de forma que, quando eles saírem da prisão, poderão buscar um futuro melhor”, aponta o proponente do projeto, Hugo Marques. Ainda de segundo ele, a intenção é ampliar o projeto não só para a capacitação, mas também para vagas no mercado de trabalho. “Pretendemos estabelecer uma parceria com as empresas para que elas deem oportunidade de vagas para os presos que concluírem esse curso”, adiantou.
Internacional
O projeto “Porta” foi selecionado para apresentação no “Segundo Encuentro Latino Americano de Derechos Humanos y Salud Mental”, que será realizado nos dias 9, 10 e 11 de outubro em Montevidéu (Uruguai). O congresso reúne iniciativas selecionadas em toda a América latina para serem expostas e conhecidas por toda comunidade internacional de direitos humanos.