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Opinião

Foto: Divulgação

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Em vigor desde novembro do ano passado, a Reforma Trabalhista está posta e inúmeras questões relacionadas a ela estão presentes no dia a dia das empresas e dos processos na Justiça do Trabalho. A maior parte das análises buscam avaliar se a mudança na legislação foi e tem sido favorável ou contrária ao empregado e ao empregador. Entretanto, será esse o melhor ângulo de análise?

Certamente, este não é melhor caminho. É preciso fazer uma avaliação crítica sobre dois principais pontos: a falta de outras importantes reformas que deveriam ter sido realizadas anteriormente bem como a tentativa da nova legislação em reduzir a assimetria entre empregados e empregadores.

O prevalecimento do negociado sobre o legislado, como é sabido, foi uma das mudanças mais discutidas em relação à nova legislação. A reforma fez com que as negociações entre empregados e empregadores, intermediada pelos sindicatos de suas respectivas categorias, passassem a valer mais do que o que é determinado pela lei em muitas hipóteses. Tal mudança, entretanto, não deveria ter sido feita sem uma reforma que garantisse que as vozes dos empregados e dos empregadores sejam realmente ouvidas.

Ao mesmo tempo que é inegável a importância dos sindicatos para a defesa dos direitos dos trabalhadores, o sindicalismo brasileiro se caracteriza por ser vinculado ao poder estatal e são poucos os sindicatos hoje que atuam efetivamente representando as suas respectivas categorias. A Constituição Federal assegura o direito à livre associação dos trabalhadores por meio de uma autorização do poder executivo, com o objetivo de que não haja mais de uma entidade trabalhista ou patronal representando uma categoria em uma mesma base territorial.

Esta autorização permite que os sindicatos, como faz em muitos momentos também o Estado, possa cobrar os trabalhadores sem dar em troca a devida contrapartida. Trata-se de um problema que poderia ser resolvido por meio de uma emenda constitucional que acabasse com a unicidade sindical, de modo que os sindicatos pudessem concorrer entre si no mercado pela real representatividade entre suas respectivas categorias.

Outra reforma importante trata-se da fiscal. E que teria de ser realizada anteriormente à trabalhista. Atualmente, o principal custo da empresa na relação trabalhista é a tributária. Uma reforma fiscal poderia diminuir os impostos na contratação de empregados, hoje um custo ao empregador maior que o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e que benefícios como as férias, por exemplo. A reforma trabalhista foi feita com o objetivo de gerar mais empregos, mas como isso será possível com incidências tributárias, sem as devidas contrapartidas para todos, que tornam a relação trabalhista extremamente difícil?

Outro objetivo da reforma trabalhista que deve ser criticado é sobre o equilíbrio e assimetria nas relações trabalhistas entre o empregado e o empregador. Importante ressaltar, neste ponto, que o que está no texto da lei não necessariamente se efetiva na prática. Não serão novas regras que irão mudar o fato de que o empregador pode mais e o empregado obedece.

Vale frisar que o artigo 9º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não foi revogado e possui o escopo de tornar nulo qualquer ato do empregador praticado com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da leis trabalhistas.

Do mesmo modo, os princípios do Direito do Trabalho não deixarão de ser levados em conta na prática. Com todo o respeito, se elementos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT – como a subordinação, onerosidade, pessoalidade e habitualidade - estiverem presentes em uma relação trabalhista de um empregado considerado autônomo, tenho a certeza de que muitos juízes do trabalho reconhecerão a existência dessa relação.

Sobre esse tema, de fato, houve uma mudança nas últimas décadas do perfil das empresas no mundo pois empresas deixaram de ser grandes linhas de produção tayloristas para diminuírem de tamanho e buscarem terem mais velocidade e capacidade de gestão. Muitos gestores não foram convertidos em empregados, mas em pessoas jurídicas sobre as quais a reforma buscou conceder um tratamento diferenciado, os chamados PJs ou MEIs.

Outra situação que podemos observar, entretanto, consiste no princípio da condição mais benéfica ao trabalhador. A nova legislação, com a ideia do acordado prevalecido sobre o legislado, pode chegar a violar esse princípio ao não permitir que um texto constitucional mais favorável ao trabalhador valha mais que o instrumento coletivo. É uma mudança que justifica a preocupação de colegas e vozes importantes do mundo jurídico.

O que acontece é que toda relação de trabalho necessita de um equilíbrio. Infelizmente, a pretensa superproteção ao empregador da reforma trabalhista acabou por gerar efetivamente, em muitos momentos, uma total desproteção. E se tornou uma verdadeira armadilha para empresas e empregados.

*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é doutor, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor da pós-graduação da PUC-SP, eleito para ocupar a cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e sócio fundador do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados