Desde os tempos do quilombo, negras e negros dançam em círculos ao som de tambores, cuícas, violas, pandeiros e caixas feitos artesanalmente, nos eventos regionais, em especial, nos festejos em homenagem ao Divino Espírito Santo. A dança típica do interior tocantinense é a inspiração para o filme “A Sússia”, da diretora Lucrécia Dias, moradora da Comunidade Lagoa da Pedra, em Arraias, no Tocantins. O documentário será lançado na próxima sexta-feira (21/09), na Comunidade, e no sábado (22/09), no centro de Arraias. A programação faz parte do Circuito Nacional de Exibição Revelando os Brasis VI. O patrocínio é da Petrobras e a realização do Instituto Marlin Azul.
Iniciada em 22 de agosto, a caravana de cinema seguirá até 11 de outubro por ruas e praças de doze estados para exibir em sessões abertas e gratuitas as ficções e documentários feitos por moradores de pequenas cidades com até 20 mil habitantes. Os 15 filmes de curta-metragem foram produzidos pelo projeto a partir de histórias reais ou inventadas contadas e dirigidas por moradores das próprias comunidades. O Revelando os Brasis Ano VI tem patrocínio da Petrobras e realização do Instituto Marlin Azul.
A estrada
Adaptado para se transformar em cabine de projeção, o caminhão-cinema é equipado com uma tela de seis metros de altura, projetores, sistema de sonorização e 200 cadeiras para acomodar os espectadores. Ao longo de 51 dias, a caravana irá visitar as seguintes cidades: Vargem Alta e Laranja da Terra (ES), Urucuia e Barroso (MG), Lençóis e São José do Jacuípe (BA), Quebrangulo (AL), São Domingos do Cariri (PB), Icapuí (CE), Bom Jesus do Tocantins (PA), Arraias (TO), Nossa Senhora do Livramento (MT), Guarujá do Sul (SC), Antônio Prado (RS) e Águas de Lindóia (SP). Também recebem a mostra os municípios de Linhares (Vila de Regência) e São Mateus, no Espírito Santo.
Oito documentários, seis ficções e um filme que mistura os dois gêneros compõem a sexta edição do Revelando os Brasis. Além da obra produzida na cidade, cada sessão inclui a exibição de uma seleção de filmes feitos em outros municípios, totalizando uma programação de uma hora e meia de duração. Com direção, roteiro e produção dos moradores selecionados, a mostra traz um conjunto de histórias sobre memórias, lendas, personagens populares e tradições das pequenas cidades, destacando temas que registram a diversidade cultural brasileira e valorizam novas expressões e novos olhares sobre o Brasil.
A história
O documentário é um registro da Sússia, uma dança tradicional da comunidade quilombola. A experiência de transformar esta manifestação cultural em filme foi grandiosa para a diretora. “Uma das melhores coisas que fiz na minha vida. Durante a gravação tivemos a oportunidade de ver os jovens participando e preservando uma cultura, uma dança que vem dos nossos antepassados. Isto foi o mais bonito!”, relata Lucrécia.
Na avaliação de Lucrécia, o projeto lhe oportunizou contar uma história construída ao longo de gerações pela comunidade. “Pra mim, o significado maior de gravar a Sússia foi ter um filme que registra uma história, uma cultura da minha comunidade. Ter uma história nossa contada por alguém daqui. A gente via muitos trabalhos feitos por pessoas de fora mas nunca por quem vive no quilombo. Somos capazes de contar nossas próprias histórias. Agora é só ansiedade e esperar a estreia,” enfatiza.
A diretora
Filha de agricultores, Lucrécia Dias nasceu na Comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, em Arraias, cresceu numa família de onze filhos, e teve uma infância repleta de brincadeiras de quintal. Ao mesmo tempo em que as crianças brincavam soltas no quilombo havia a responsabilidade de participar das atividades na roça e dos afazeres domésticos. Uma das obrigações era acordar cedo para fazer a vigília, evitando o ataque dos pássaros às plantações. Nos primeiros anos escolares, estudava numa sala multiseriada, dividindo o espaço com alunos de diferentes séries do ensino regular. Depois, para continuar indo à escola, precisava percorrer três quilômetros andando, enfrentando pela estrada afora poeira ou lama.
Fez um curso de produtora cultural pela Fundação Palmares em parceria com a Universidade Federal do Tocantins. Foi no ambiente do curso que foi estimulada a participar do Concurso de Histórias do Revelando os Brasis. Atualmente, estuda na faculdade de Educação do Campo, com licenciatura em Artes Visuais e Música, pela mesma universidade. Segundo Lucrécia, a faculdade ajuda a fortalecer a luta contra o preconceito e contribui com o reconhecimento da identidade. “Tenho meu valor, tenho o direito de estar numa universidade, de estudar, de assumir minha identidade como quilombola, como preta, como pessoa que tem valor, que tem conhecimento, tem uma cultura. Tem que ter orgulho do que a gente tem lá e do que a gente é”, ressalta Lucrécia.
Conheça o Revelando os Brasis
Criado em 2004, o Revelando os Brasis tem por objetivo geral promover a inclusão e a formação audiovisuais através do estímulo à produção de filmes. O projeto promove processos de iniciação audiovisual, oferecendo aos moradores das pequenas cidades a possibilidade de contar as suas próprias histórias por meio de filmes que retratem o seu universo simbólico.
O Revelando os Brasis é desenvolvido nas etapas de formação, produção e difusão. Na primeira fase é realizado o Concurso Nacional de Histórias direcionado aos moradores de cidades com até 20 mil habitantes. A última edição bateu o recorde de inscrições: foram recebidas 951 histórias de todos os cantos do país. Dos 5.568 municípios brasileiros, 3.924 têm até 20 mil habitantes, de acordo com dados do IBGE (2010).
Na segunda fase, é realizada a Oficina de Realização Audiovisual, no Rio de Janeiro, quando os autores das histórias selecionadas aprendem, com a orientação de profissionais renomados do cinema, todas as etapas de realização de um filme, incluindo aulas de roteiro, produção, direção, som, fotografia, direção de arte, edição, comunicação e mobilização comunitária.
Na terceira fase, os autores retornam às suas cidades para a filmagem, com recursos e o acompanhamento técnico do projeto. Por meio de um processo de mobilização, familiares, vizinhos, amigos e artistas locais são estimulados a integrar as equipes, desempenhando funções artísticas, técnicas e de apoio. Após a gravação, os diretores seguem para a edição das obras.
A quarta fase é marcada pelo Circuito Nacional de Exibição. As obras são apresentadas em sessões abertas e gratuitas nas cidades selecionadas. Para completar o processo de difusão, todas os filmes, reunidos em um box de DVDs contendo ainda o making of do projeto, são distribuídos para bibliotecas, escolas públicas, universidades, pontos de culturas, instituições públicas e cineclubes ligados à educação e à cultura de todo o Brasil.
Os filmes são ainda exibidos em mostras e festivais nacionais e internacionais. Desde a criação do projeto, há quatorze anos, foram realizadas 195 obras audiovisuais dirigidas por moradores de pequenas cidades.