Passadas três semanas de governo, não é possível apontar se as linhas anunciadas na economia ganharão eficácia, mas os primeiros passos permitem tirar conclusões: a guinada do Brasil à direita remarcará, externamente, sua posição no concerto das nações e, internamente, acentuará os níveis de tensão entre os exércitos sob o comando de Jair Bolsonaro e movimentos que até então lideravam a mobilização social. Na área política, por enquanto reinará a distensão até o momento em que as oposições retomarem o fôlego.
Na moldura mundial, o Brasil se distanciará do campo da social-democracia, particularmente junto aos países europeus, onde o sistema é forte, para se aproximar das nações que desfraldam a bandeira da direita, sob a égide do unilateralismo. O reposicionamento do País foi claramente exposto pelo chanceler Ernesto Araújo: caminharemos sozinho em algumas estradas, significando afastamento do multilateralismo que tem guiado nossa política externa desde tempos remotos.
Seu argumento: cada nação pode e deve trilhar o caminho que julgar mais adequado para atender ao escopo da soberania, sem seguir regras estabelecidas por outras plagas. Mais: a cultura ocidental enfrenta um ataque do “globalismo”, que carrega em seu bojo o “marxismo cultural”. O pensamento é próximo ao que defende o presidente norte-americano Donald Trump, para quem o controle da imigração (e a defesa contra a invasão de fronteiras) é vital para defender o ideário nacional, proteger valores e as identidades dos países.
A remarcação dos eixos nas nossas relações exteriores é um grande risco, a partir da reação negativa de países árabes e da esfera asiática, a partir da China, que, segundo Bolsonaro, “quer comprar o Brasil. Essa nova ordem certamente implicará novas decisões junto aos organismos internacionais que abrigam interesses das nações, como ONU, Unesco, OMC, OEA, Mercosul, entre outras.
Voltemos ao plano interno. O perfil do presidente e a maneira direta como se expressa, sem usar intermediários, sinalizam uma linha de tensão elevada. As frentes de animosidade estarão na imprensa, em movimentos sociais e em parcela da academia. A imprensa acompanha a vida política do presidente desde o passado, registrando casos em que se envolveu (por exemplo, discussão áspera com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), e quase sempre abordando de maneira negativa seu posicionamento de viés militar. A imprensa é considerada inimiga.
Os movimentos sociais, como o MST, núcleos ligados a arte (principalmente artistas da Globo) e grupos de intelectuais, particularmente os alinhados com o lulismo, vão continuar a atirar bombas em Bolsonaro. Que revidará com a espada do comandante-em-chefe do País. Portanto, esses setores entrarão com ímpeto no ringue. E a pauta será longa: ideologia de gêneros, armamento, demarcação de terras indígenas, direitos humanos, inserção militar na estrutura governamental etc.
No Congresso, a tensão poderá subir mais adiante. A força do mandatário-mor nos primeiros momentos abafará questionamentos. O oposicionismo será arrefecido por enquanto. Partidos e lideranças entrarão na arena de lutas quando o governo se mostrar por inteiro. Ao PT interessa que o presidente entre na guerra expressiva que ele inventou: Nós e Eles. O apartheid social sempre foi o oxigênio petista.
Se a economia responder de forma positiva aos planos concebidos, as querelas serão arrefecidas. E que fique claro: o Brasil será reapresentado na paisagem dos direitos e deveres, que terão seu discurso defendido pela esquerda e pela direita. A linha divisória será transparente. Quem aguarda tempos de paz e harmonia vai se decepcionar. Os ânimos sociais não serão apaziguados.
Uma chama de esperança: o aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF). Se chegar à casa 7 numa escala de 10, é possível abrirmos um ciclo de harmonia. No mais, Bolsonaro precisa se guiar pela régua do bom senso e evitar a barbárie. Terá condições?
*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato