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Meio Jurídico

Thaynara está de costas, ao centro, na companhia nas irmãs, sendo atendida pela defensora pública Letícia Amorim

Thaynara está de costas, ao centro, na companhia nas irmãs, sendo atendida pela defensora pública Letícia Amorim Foto: DPE/TO

Foto: DPE/TO Thaynara está de costas, ao centro, na companhia nas irmãs, sendo atendida pela defensora pública Letícia Amorim Thaynara está de costas, ao centro, na companhia nas irmãs, sendo atendida pela defensora pública Letícia Amorim

Após viver seus 21 anos de idade sem existir formalmente, pois nunca teve sequer certidão de nascimento, uma jovem que reside em Lagoa de Confusão acaba de realizar o seu maior sonho: “existir perante a sociedade”. Sentença favorável da Justiça desta quinta-feira, 14, em uma ação proposta pela Defensoria Pública (DPE-TO) garantiu à Thaynara Rodrigues o direito de expedir sua documentação pessoal. “É o dia mais feliz de toda a minha vida. Agora eu vou existir na sociedade. Finalmente, eu serei cidadã”, disse ela, emocionada.

Não ter documento pessoal ao longo de toda a sua vida foi, para Thaynara, um completo transtorno. Ela lembra das dificuldades para trabalhar, estudar, viajar, ser atendida na rede pública de saúde, entre outros serviços essenciais. “Para tudo me pediam documento. Em muitos casos eu até desistia, porque era muito constrangedor ficar me humilhando pelo direito de estudar ou ir ao médico, por exemplo”, disse Thaynara.

Por razões como estas, a jovem de 21 anos estudou apenas até o 6º ano do Ensino Fundamental. Para ela, a vitória chega junto a uma série de planos para o futuro: “Vou voltar para a escola, concluir meus estudos e procurar um emprego”. 

História

Thaynara foi abandonada por sua genitora logo que nasceu, em Balsas (MA). A mãe biológica sumiu sem deixar qualquer pista sobre seu paradeiro ou sobre quem poderia o pai da criança.  

Ainda recém-nascida, Thaynara foi adotada por uma mulher que conhecia sua mãe biológica. Dois anos depois, porém, a mãe adotiva faleceu, em 2000, sem tratar oficialmente da adoção, o que permitiria o registro legal da criança.

Thaynara, então, passou à guarda de um de seus irmãos socioafetivos, que veio a falecer em 2013, o que fez com que Thaynara, à época com 15 anos, passasse a ser cuidada pelas irmãs, com as quais reside atualmente e chama, carinhosamente, de ‘maninhas’.

Um cartão de vacina com a data de seu nascimento é o único documento que Thaynara guardou ao longo de toda vida. “É graças a esse cartão que guardei a vida toda que hoje sei, pelo menos, a minha data de nascimento”, revela.

A família afetiva de Thaynara nunca deu prosseguimento a nenhuma documentação ou trâmites legais para adoção. Segundo Thaynara, possivelmente por medo da mãe biológica, um dia, retornar. Quando atingiu a maioridade, aos 18 anos, ela decidiu procurar o seu ‘direito de existir’. No ano passado, ela procurou a Defensoria, que iniciou o processo para que ela conseguisse o direito à documentação pessoal.

Defensoria Pública

Thaynara procurou a Defensoria Pública em 20 de abril de 2018, por ocasião de um atendimento do projeto “Defensoria Itinerante”, em Lagoa da Confusão. As irmãs a incentivaram a procurar pelo serviço, na esperança de obter a tão sonhada documentação.

Ela foi atendida pela defensora pública Letícia Amorim, que ingressou no Judiciário com um pedido de Reconhecimento de Maternidade Socioafetiva Post Mortem e registro de óbito extemporâneo, que teve sentença favorável do juiz Wellington Magalhães em audiência nesta quinta-feira, 14. “Foi uma união de esforços da família da Thaynara, da equipe da Defensoria, do juiz e do promotor de Cristalândia. Não só porque agora ela terá documento, como a família também terá a certidão de óbito da mãe (que nunca foi lavrado) e o reconhecimento de maternidade socioafetiva”, declarou a defensora pública.

Ao citar o apoio da equipe da Defensoria, Letícia Amorim ressalta o trabalho do analista Thiago Miranda, que buscou toda a documentação da falecida mãe socioafetiva de Thaynara, nos cartórios de registro do Maranhão, onde a jovem nasceu. Os familiares não tinham nenhuma documentação da mãe falecida em 2000, o que também dificultou a expedição da certidão de óbito.

Letícia Amorim também destacou a atuação da Equipe Multidisciplinar da DPE-TO em Paraíso do Tocantins: o psicólogo Hugo Marques e a assistente social Maria de Jesus Jardim dos Reis.

A Defensora Pública lembra que Thaynara teve uma história de vida muito triste, mas que finalmente terá um final feliz e digno. Ela destaca que, certamente, o caso servirá de exemplo para que outras pessoas também possam usufruir desse direito de ser cidadão, de garantir o exercício dos seus direitos civis, políticos, econômicos e sociais. “Estou muito feliz com essa atuação da Defensoria. É incrível constatar que ainda podem existir pessoas que vivem a margem da sociedade, porque não possuem documentação de identificação”, destacou.

Letícia Amorim lembrou de outro caso semelhante que atendeu em Paranã, na região Sudeste do Estado, em 2011, em que a mãe e nascituro não possuíam documentação. A criança era apenas chamada de bebê, pois a mãe acreditava que o nome viria somente com o documento. “Essa é a função da Defensoria, devolver os direitos às pessoas que nunca tiveram direitos, enxergar a existência delas", concluiu Letícia Amorim.