A Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF) emitiu neste último sábado, 28, novo manifesto, desta vez alertando para os riscos da possível adoção, pelo Ministério da Saúde brasileiro, de uma terapia com o Difosfato de Cloroquina, sem embasamento científico suficiente. O documento, assinado pelo presidente da entidade, Flavio da Silva Emery, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas USP-Ribeirão Preto, e pela vice-presidente Sandra Helena Poliselli Farsky, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas USP - São Paulo, alerta para efeitos colaterais “importantes” e possíveis transtornos maiores para pacientes e para o sistema de saúde. Segue o documento na íntegra.
“As incertezas sobre a Covid-19 refletem a falta de conhecimento sobre a patogenia, desenvolvimento e tratamento da doença que acomete gravemente cerca de 5% dos infectados, e tem causado transtornos imensuráveis nos programas de saúde pública, sociais e econômicos. Diante deste quadro, pesquisas para busca de conhecimentos sobre os mecanismos que regem a doença e de alvos terapêuticos que levem a um tratamento rápido e efetivo têm sido realizadas com afinco em todo mundo. Uma grande quantidade de resultados foi divulgada nos últimos dias; no entanto os resultados obtidos de estudos clínicos ainda são precoces se considerados os critérios exigidos para a confiabilidade dos dados pelas agências regulamentadoras.
Neste sentido, dois trabalhos foram publicados recentemente com grupo de pacientes chineses e franceses mostrando que o tratamento com doses elevadas de hidroxicloroquina, associado à azitromicina, reduziu significantemente a carga viral, porém, em um grupo pequeno de pacientes com quadros leves da doença. A cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina são usados para o tratamento da malária e de doenças autoimunes há longo tempo, mas causam efeitos colaterais importantes.
Apesar dos resultados serem insipientes, em 21 de março último, o presidente dos Estados Unidos propôs que o tratamento com hidroxicloqroquina/cloroquina e aziotromicina seria a ferramenta para mudança do curso da maior crise pandêmica desde a febre espanhola. A receita se espalhou pelo mundo e passou a ser adotada em vários países. Menos de uma semana depois, no dia 27 de março de 2020, o Ministério da Saúde publicou uma Nota Informativa (Nº 5/2020-DAF/SCTIE/MS) que trata do uso de cloroquina como terapia adjuvante para o tratamento de formas graves de Covid-19.
A ABCF reitera a preocupação sobre a utilização de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19 e reforça que a proposição de terapias farmacológicas que definam políticas públicas de saúde, mesmo em situações de crise como a que enfrentamos neste momento, seja baseada em dados robustos obtidos em estudos com critérios científicos rígidos. Nossa posição coincide com a da OMS, que alerta para que medicamentos que não tenham comprovada eficiência para Covid-19 não sejam empregados fora de estudos clínicos adequadamente delineados. Neste sentido, a OMS lançou na última sexta-feira, 27, o programa Solidarity que agrega centros de estudos básicos e clínicos respeitáveis em todo o mundo para investigar a eficácia de quatro tratamentos para a Covid-19. No Brasil, o Solidarity será coordenado pela Fiocruz.
Com base no exposto, a ABCF acredita que o Ministério da Saúde adotará um protocolo de uso de difosfato de cloroquina em alta dose de ataque, seguida de mais quatro dias de tratamento, sem embasamento científico suficiente. Levando-se em conta que os efeitos adversos provocados por estes medicamentos podem demandar cuidados especiais de profissionais de saúde, em momento de sobrecarga da saúde pública pelo crescimento exponencial da Covid-19, o tratamento proposto poderá causar transtornos maiores e prejuízos aos pacientes.
O trabalho sério em pesquisa e ensino em ciências farmacêuticas dos associados da ABCF mostra que não existem tratamentos “milagrosos”, obtidos em curtos períodos de tempo, mas sim que o desenvolvimento de tratamentos efetivos depende de estudos científicos criteriosos, para os quais financiamento em pesquisa a longo prazo é fundamental”.