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Opinião

O trâmite para aprovação de regras transitórias em diversos ramos do direito civil para lidar com o caos econômico jurídico desencadeado pela estratégia de combate à pandemia precisa ser vista dentro de uma perspectiva ainda posta de lado pelos analistas políticos e do direito. As regras para flexibilizar relações jurídicas privadas neste período têm, de fato, importância relativa. Pode mitigar os prejuízos das tensões afloradas com o travamento da vida de toda a população e de todas as empresas. Mas, independente do texto que saia quando a Câmara dos Deputados validar a medida e o que virá a ser sancionado pela presidência da república, um fato não poderá ser mascarado: a responsabilização dos entes públicos, em todas as esferas, pelos danos causados em função do que deixaram de fazer para que esse quadro de destruição social não ocorresse.

A frente nacional existente hoje para salvação de vidas – e junto, do nosso desestruturado setor de saúde público e privado – não esconde o nível que temos de gestão pública do país, dos estados e de cidade por cidade. O sofrimento que está sendo imposto é, quer queiram ou não, inconsequente. E não é porque cenários de pandemia desta magnitude estão previstos há mais de dez anos e, regularmente, ensaiados por profissionais de riscos, com alertas muito bem estruturados para organismos internacionais e destes para os governos das nações. Mas sim porque o temor enfrentado não é de uma doença desconhecida, mas sim da incapacidade de atendimento à população, problema, aliás, que vem à tona com frequência escandalosa há muitos anos. A má-gestão e os destinos destes recursos têm sido noticiado regularmente e as autoridades judiciais há anos atuam contra estes malfeitos.

Com o problema posto à nossa frente, o legislativo federal, que vai, com certeza, apurar tudo isso no momento certo, centra-se agora em tentar fazer o país funcionar com o menor atrito possível. É essa a intenção do projeto de lei nº 1.179/2020, de autoria do senador Antônio Anastasia (PSD-MG), ao buscar atenuar as consequências socioeconômicas da covid-19. O PL já teve aprovado o texto base e agora será encaminhado para o Presidente da República para sanção ou veto.

O projeto tem como escopo fazer alterações em diferentes normas, dentre elas no Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e Lei do Inquilinato. A título exemplificativo, o projeto aduz que não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ajuizadas até 30 de outubro de 2020, sendo que tal aplicação valerá para ações distribuídas a partir de 20 de março. Para se entender a importância dessa medida: Dos 71 milhões de domicílios existentes no Brasil em 2018, 12,9 milhões eram alugados, informa a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE.

O projeto deve alterar ainda as relações em condomínios residenciais. O síndico terá poderes emergenciais para restringir o uso de áreas comuns; limitar ou proibir a realização de reuniões, festas, uso de estacionamentos, inclusive privativos, por terceiros como parte da estratégia para evitar a disseminação do coronavírus. A assembleia condominial presencial e a respectiva votação dos itens de pauta poderão acontecer, em caráter emergencial, por meio virtual, também até 30 de outubro deste ano.

A magnitude do que está sendo decidido pode ainda ser vista em outros pontos.

Direito do Consumidor

‣ Suspende até 30 de outubro de 2020 o Direito de Arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor. A suspensão é válida para entrega domiciliar (delivery) de medicamentos e comida.

‣ O direito do consumidor de desistir do produto, caso apresente algum defeito está mantido.

Lei de Locação

‣ Impede a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 30 de outubro de 2020. A proibição só é válida para ações protocoladas a partir de 20 de março.

Direito Condominial

‣ Permite a realização de assembleias virtuais.

‣ Restringe a utilização de áreas comuns.

‣ Restringe ou proíbe a realização de reuniões, festas, uso do estacionamento por terceiros.

‣ Permite obras de natureza estrutural e de benfeitorias necessárias.

Direito de Família

‣ Estende o prazo de abertura e de conclusão de inventários e partilhas.

‣ Quem não pagar pensão alimentícia cumprirá prisão domiciliar.

‣ Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Desta forma, vale destacar a iniciativa do Congresso Nacional em tentar mitigar os efeitos da crise provocada pelo coronavírus nas relações jurídicas privadas, ressalvando-se que referido projeto ainda dependerá de análise e aprovação pela Câmara dos Deputados, o que deverá ocorrer nos próximos dias.

*Ricardo Vila Nova é sócio do Matos e Bueno Advogados.