Aprovada pelo Senado e prestes a ir à Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição emergencial (PEC Emergencial) prevê a recriação do auxílio emergencial em troca de medidas de ajustes fiscais. Em troca do aumento de gastos públicos, o governo terá de apertar os cintos. Em alguns casos, de forma permanente.
O texto aprovado pelos senadores é resultado da fusão de três PECs enviadas pelo governo federal no fim de 2019: a proposta que reformula o Pacto Federativo, a PEC Emergencial original e a PEC que desvincula o dinheiro de fundos públicos. Por falta de consenso, alguns pontos mais polêmicos ficaram de fora, como a retirada dos pisos constitucionais para gastos em saúde e educação.
O fim dos repasses de 28% da arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também foi excluído do texto votado. A redução de até 25% dos salários dos servidores com redução proporcional de jornada, o pagamento de abono salarial abaixo do mínimo e a desvinculação de diversos benefícios da inflação, que chegaram a ser discutidos no Senado, não entraram na proposta final.
Em troca das medidas de ajuste, o texto autoriza a destinação de R$ 44 bilhões para a recriação do auxílio emergencial, benefício social que atendeu às famílias mais afetadas pela pandemia de covid-19, com créditos extraordinários do Orçamento, que ficam fora do teto de gastos. Uma cláusula de calamidade pública incluída na PEC permitiu que os custos com o novo programa sejam excluídos da regra de ouro (espécie de teto de endividamento público para financiar gastos correntes) e da meta de déficit primário, que neste ano está fixada em R$ 247,1 bilhões.
A concessão de uma nova rodada do auxílio emergencial depende de uma medida provisória com as novas regras do benefício. O valor de cada parcela não está definido.
Entenda as principais mudanças instituídas pela PEC Emergencial:
Auxílio emergencial
- Crédito extraordinário de até R$ 44 bilhões fora do teto de gastos;
- Cláusula de calamidade que permite exclusão de despesas da meta de
resultado primário e da regra de ouro. Dispositivo pode ser usado em outras
crises.
Contrapartidas fiscais
Gatillhos
Nível federal: todas as vezes em que as despesas obrigatórias sujeitas ao teto
de gastos ultrapassarem 95% das despesas totais, ficarão proibidos para os
Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público:
- Aumento de salário para o funcionalismo;
- Realização de concursos públicos;
- Criação de cargos e despesas obrigatórias;
- Concessão de benefícios e incentivos tributários;
- Lançamento de linhas de financiamento;
- Renegociação de dívidas.
Nível estadual e municipal: regra dos 95% será facultativa, texto inclui gatilho adicional de medidas de contenção de gastos quando a relação entre as despesas correntes e receitas correntes alcançar 85%, com vigência imediata e dependente de atos do governador ou do prefeito.
Incentivos fiscais
Até seis meses após promulgação da emenda Constitucional,
presidente da República deverá apresentar plano para zerar incentivos fiscais,
como subsídios e benefícios tributários. Proposta só inclui apresentação do
plano, sem estabelecer obrigação de que mudanças na legislação sejam aprovadas.
Não poderão ser extintos:
- Simples Nacional;
- Subsídios à Zona Franca de Manaus;
- Subsídios a produtos da cesta básica;
- Financiamento estudantil para ensino superior.
Fundos públicos e desvinculação de receitas
Desvinculação do dinheiro de fundos públicos: superávit
financeiro dos fundos deverá amortizar dívida pública da União, dos estados e
dos municípios. Após as amortizações, recursos poderão ser aplicados
livremente, sem atender à finalidade original de cada fundo.
Exceções: alguns fundos federais poderão manter receitas orçamentárias reservadas para eles.
- Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP);
- Fundo Penitenciário Nacional (Funpen);
- Fundo Nacional Antidrogas (Funad);
- Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT);
- Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé);
- Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da
Polícia Federal;
- Receitas de interesse da defesa nacional e relacionadas à atuação das
Forças Armadas também poderão ser desvinculadas.
Calamidade pública
Na vigência de calamidade pública, haverá um regime orçamentário excepcional, nos moldes do Orçamento de Guerra em vigor no ano passado. Com regras mais flexíveis, regime também dispensa o cumprimento da regra de ouro e das metas de resultado primário.
- Decretação do estado de calamidade pública será atribuição exclusiva do Congresso Nacional, que deverá aprovar proposta do Poder Executivo;
- Proposta do Executivo precisará provar urgência e necessidade dos gastos fora do regime fiscal regular;
- Gastos extras não podem resultar em despesa obrigatória
permanente.
Ficam autorizados no estado de calamidade pública:
- Contratação simplificada de pessoal, em
caráter temporário e emergencial;
- Contratação de obras, serviços e compras com dispensa de licitação;
- Concessão ou ampliação de benefício tributário que gere renúncia de receita;
- Contratação de operações de crédito sem limites ou condições;
- Empresas em débito com a seguridade social poderão assinar contratos com o
Poder Público;
- Superávit financeiro (excedente obtido com a emissão de títulos públicos
ou com financiamentos bancários) apurado em 31 de dezembro do ano
anterior poderá cobrir gastos com o combate à calamidade pública e o pagamento
da dívida pública;
- Lei complementar poderá definir outras medidas de exceção fiscal durante
a vigência da calamidade pública.
Inativos e pensionistas
- Gastos com inativos e pensionistas serão incluídos no teto de gastos dos
Legislativos municipais. Hoje, o teto só inclui salários dos vereadores.
Despesa não pode ultrapassar a soma da receita tributária, do Fundo de
Participação dos Municípios e das demais transferências constitucionais;
- Gastos com pensionistas não poderão ultrapassar limites estabelecidos em lei
complementar. Atualmente, a Constituição estabelece teto apenas para despesa
com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, sem citar os pensionistas.