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Opinião

Foto: Divulgação

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A ‘Operação Black Monday’, ação do Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG) que visa à prisão de líderes e integrantes de organização criminosa que fizeram milhares de vítimas com fraudes praticadas por meio de pirâmides financeiras em vários estados do Brasil foi intensificada e segue empenhada em prender mentores de um esquema que até agora causou prejuízo estimado em R$ 100 milhões. Na última terça, 22, dois supostos líderes foram presos.

O passo inicial e fundamental para que a operação fosse iniciada de maneira bem sucedida é a rica troca de informações e de dados entre polícia, MP e advogados que representam centenas de vítimas que os procuram na tentativa de buscar justiça e retomar o que foi investido. Ao terem compartilhadas com as vítimas os detalhes das ações praticadas pelos criminosos, os atores do Direito, de fato, se tornam importantes fomentadores de elementos para que MP e polícias consigam executar de maneira mais assertiva possível suas operações.

Contudo, para que essa intensificação de esforço nas operações se concretize em um potente freio de tal prática criminosa, é preciso intensificar, igualmente, a aplicabilidade da lei de organizações criminosas nos esquemas de pirâmide financeira.

Equiparado a uma grande nuvem de gafanhotos, os esquemas de pirâmide financeira e Ponzi não param de crescer no Brasil. De todas as fraudes identificadas no país, 55% são esquemas dessa natureza, que já lesaram 11% da população brasileira. Somente em 2019, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recebeu 10 vezes mais reclamações do que nos últimos sete anos. Com o advento da internet e, principalmente, com a popularidade das criptomoedas, os golpistas encontraram um solo fértil para fisgar vítimas desavisadas.

Primeiramente, vale diferenciar as pirâmides financeiras do esquema Ponzi, que têm como uma das similaridades o fato de ambos serem fraudes financeiras. Os esquemas de pirâmides são baseados em construção de rede e necessitam que os participantes recrutem novos membros para ganhar dinheiro. Portanto, cada participante recebe uma comissão antes de entregar o dinheiro para o topo da pirâmide. Já o esquema Ponzi é apresentado como serviço de gestão financeira, fazendo os participantes acreditar que o retorno é resultado de um investimento real. O criminoso basicamente utiliza o dinheiro de um investidor para pagar ao outro.

Nos esquemas dessa natureza, existe sempre uma figura central, um grande líder, que muitas vezes é tratado com devoção messiânica enquanto todos estão se beneficiando do dinheiro. Muitas vezes, a tiracolo há um ou mais comparsas associados, que são tratados como deuses ante a devoção dos incautos. Essa devoção, vale ressaltar, tem tempo determinado no roteiro desses crimes e vai até a suspensão dos saques, quando a devoção transforma-se numa mescla de sentimentos que beiram o desespero, o ódio e, em algumas vítimas, a subserviência, pois diversas vítimas se colocam em uma posição de vassalo desses criminosos, com objetivo de serem os primeiros a receber em uma eventual devolução do dinheiro para os investidores.

Nesse momento, é possível e qualificar os atores da organização, em que pese seja difícil identificar se a figura central é o denominado Faraó, milionários que atuam internacionalmente plantando pirâmides nos países, ou se são sócios laranjas, pessoas que residem no país alvo e investem para ter um retorno percentual com o sucesso do golpe.

Atrelado ao esquema criminoso, ainda surgem figuras que se utilizam da sua capacidade de liderança para atrair novos investidores fazendo fortunas com isso, geralmente ostentando o resultado dos golpes em suas redes sociais, o que desperta o interesse de novas vítimas.

No que tange aos investidores, os mesmos são divididos em duas categorias. A primeira é formada por pessoas que acompanham os líderes com a ciência de que o esquema é fraudulento, mas se arriscam para fazer fortuna rapidamente dentro do golpe, naquilo que podemos denominar como participantes conscientes. A segunda categoria, composta pela maioria dos investidores, é formada por pessoas que não fizeram uma pesquisa prévia, que deduzem ter encontrado a fórmula para ficarem ricas. São as chamadas vítimas de primeira viagem.

Ante essa divisão de papéis e nível de consciência, convém conceituar o que é organização criminosa, conforme previsto no art. 1º, § 1º da seguinte forma: na lei 12.850 de 2013, que considera organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Na redação do artigo, fica claro que o mesmo tem alguns destaques que são essenciais para a caracterização do delito, quais sejam a composição de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada, com divisão de tarefas, obtendo vantagem de qualquer natureza com a prática de infrações com penas máximas superiores a quatro anos ou de caráter transnacional.

Ante toda a descrição dos atores na estrutura dos esquemas pirâmide e Ponzi, tanto o descrito como Faraó quanto seus comparsas, sócios e líderes se enquadram perfeitamente no descrito tipo legal. No que diz respeito às vítimas, os participantes conscientes não se enquadram, pois assumiram o risco da própria torpeza, e não podem figurar na mesma categoria daqueles que denominamos de vítimas de primeira viagem.

Por sua vez, na questão relacionada à pena máxima superior a quatro anos para configurar a organização criminosa, se faz necessário separar o joio do trigo, pois crimes dessa natureza podem tanto ser enquadrados como estelionato, ou como o crime previsto no artigo 2º da Lei dos Crimes contra a Economia Popular. No estelionato, que tem pena que permite o enquadramento no tipo da organização criminosa, a vontade do autor é dirigida para uma pessoa determinada. Já no crime contra a economia popular, o delito se dirige para uma universalidade de sujeitos indeterminados e sua pena é inferior para a configuração.

Dados colocados, mostra-se como essencial a identificação das vítimas e de suas histórias, de modo que se alcance o número determinado de pessoas para, assim realmente configurar a organização criminosa e não apenas um mero concurso de pessoas atrelado a um crime de baixo potencial ofensivo. Aqui, vale ressaltar o artigo 2º da lei que combate as organizações criminosas: Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas

Além de enquadrar esses criminosos na presente lei, se faz urgente a aprovação do Projeto de Lei 4.233/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Rede/PR), que busca criar o tipo penal de pirâmide financeira, endurecendo a pena para quem for condenado neste esquema fraudulento.

Somente com o fim desse sentimento de impunidade, bem como o perdimento de bens e valores adquiridos com o proveito do crime, é que efetivamente serão combatidos esses esquemas fraudulentos que devassam as economias de milhões de brasileiros. Somadas, ações de compartilhamento de informações e elementos por parte dos advogados especializados no atendimento de vítimas desse tipo de crime, operações das polícias em conjunto com o Ministério Público e endurecimento da lei certamente deixarão o ambiente menos propício para que esse tipo de fraude siga acontecendo de maneira crescente em nosso país.

*Jorge Calazans é advogado é especialista na área criminal, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras, Conselheiro Estadual da ANACRIM e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados