A alteração clara e evidente da transformação do mundo do trabalho, com o despontar tecnológico empresarial, acabou por criar um cenário de pavor de como criar uma alternativa que consiga, em um só tempo, prestigiar a condição mínima do trabalho decente com a iminente desnecessidade de setores empresariais da antiga forma da prestação de serviços realizada pelos humanos trabalhadores, substituídos de forma brutal pela tecnologia.
Não se trata apenas dos escopos mais aparentes denominados de “uberização ou “plataformização” que estão entre os mais falados, e sim, de uma forma de prestação de serviços que ao tempo que atinge de forma brutal o núcleo do trabalho decente, tende a dar um passo maior em pouquíssimo tempo quanto a própria imprestabilidade da mão de obra humana em muitos setores, com substituição dos motoristas de Uber por carros sem motoristas; dos entregadores de motocicleta por drones e veículos inteligentes; dos funcionários bancários apenas pelo atendimento eletrônico; dos trabalhadores em plataformas de petróleo por robôs !!!
Ora… robôs e máquinas sequer fazem greve para reivindicar melhores condições de trabalho, será que alguém já se atentou para isso?
A questão que não se cala é: o que fazer para equilibrar num primeiro momento o trabalho com o mínimo de decência com o fator giro da economia nos atuais tempos?
A segunda questão que nos aflige é: como integrar em espaço tão curto de tempo toda essa mão de obra que será para as empresas absolutamente irrelevante em tese?
A expressão “em tese” não consta no texto por obra do acaso, pois sem esses trabalhadores e seus decentes recebimentos o mercado não se sustenta, e isso mundialmente falando.
Com ausência de propostas de expressão, nossos candidatos à Presidência da República ou retomam o antigo, como viés de atuação, ou indicam a saída pela ampla liberdade das contratações.
No nosso sentir, e sem criticar contratações formais no regime da CLT, que devem perdurar ainda dentro de poucas profissões pelo que se observa, enxergar que essa é a única e perfeita forma de prestação de serviços está longe de ser verdade. É como tentar encaixar a chave em fechaduras diversas. E pior, é de alguma forma, abandonar a preocupação com o humano em nome de uma ideologia.
De outro lado, também é de uma incoerência estupenda a ideia de que a liberdade plena da forma de se contratar será capaz de abranger todos os trabalhadores que já perderam e continuarão a perder em espaço curto de tempo sua função para a tecnologia.
É necessário incluir o trabalhador! É necessário que ele tenha condição de comer, estudar, morar, se alimentar e ter, como se diz: o mínimo existencial. E, hoje, basta olhar as praças lotadas de barracas em qualquer capital do país, para ver que a situação está longe de ser resolvida.
A solução, talvez, passe pela função social em suas inúmeras camadas, a começar pelas empresas, passando pelos sindicatos e associações de representação que muito podem fazer e hoje por inúmeras razões, em sua maioria, não têm atendido referida demanda, e tendo sua conformação com políticas públicas de expressão. Num primeiro viés, o Estado poderia criar com empresas privadas mecanismos de combate a automação, o que aliás é dever constitucional. Nessa seara, empresas teriam diminuição de valores de impostos e em contrapartida responsabilidade social clara na formação de seus trabalhadores para novas profissões em cada um dos setores.
Aqui, se ventila em duas frentes o atendimento da determinação constitucional da defesa em face da automação e legitima a função social da empresa. A contraprestação mínima para trabalhadores (não só empregados e sim trabalhadores) de setores, deveria ser claramente fixado com limite de tempo de trabalho, independente se o trabalho dependa do desempenho, sociedade em que vivemos. Tornar clara a responsabilidade tributária pelos recolhimentos do INSS de quem presta serviços por qualquer modalidade como da empresa, afastando de vez questões tão debatidas no cenário tributário. Criar patamares mínimos de pagamento ao trabalhador se o serviço é prestado por tarefa, inviabilizando eventuais abusos monetários que os tornem absolutamente vulneráveis, pois não esqueçamos que trabalhadores dependem do trabalho e não só empregados dependem do trabalho.
Registre-se com clareza que não se pretende aqui acender qualquer holofote para o assistencialismo ou coisa que o valha, a questão é que tanto o modelo antigo como o modelo dito absolutamente liberal não conseguem, em um só tempo, contemplar camadas tão distintas existentes da sociedade, e por essa razão, o equilíbrio de ideias e ações, talvez, e apenas talvez, sejam um especial início.
Importante não deixar de lado uma pequena observação: cuidado presidenciáveis, pode ser que em curto espaço de tempo a população escolha algoritmos e não humanos para dirigi-las, e aí talvez, o sentir na pele se faça realmente presente na vida de vocês!!! Quem não sente, muitas vezes, não sabe o significado das coisas! Assim é o humano…
*Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP.