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Opinião

Rodrigo Barbosa e Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Rodrigo Barbosa e Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Rodrigo Barbosa e Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas Rodrigo Barbosa e Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Período de eleição, principalmente para governador e deputados estaduais e federais, é certo que o cotidiano dos órgãos públicos estaduais fica diferente. Quem é servidor público no Tocantins sabe bem do que estou falando. Não é segredo para ninguém que há movimentações, mesmo que implícitas, em torno do pleito. Como professor da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) há quase vinte anos, por exemplo, já ouvi alguns relatos de situações ocorridas nestas épocas eleitorais que exemplificam o que estou dizendo. Convites (transformados em convocações quando você não é concursado) a reuniões de candidatos a deputados estaduais e federais que, outrora, destinaram emendas parlamentares à universidade ao longo dos seus mandatos, mobilizações a favor de governador A ou B que ocupara a cadeira naquele determinado momento, encontros com estudantes em pizzaria para - teoricamente - discutir assuntos relacionados à instituição etc.

O que eu quero abordar aqui são as ações oficiais da universidade que, no fundo mesmo, tiveram, e continuam tendo, como interesse maior a (re)eleição de determinados governadores e deputados. É o que eu chamo de prostituição acadêmica, parafraseando a expressão do professor Celso Vasconcellos “prostituição do magistério”, alcunhada para refletir sobre a ausência de planejamento do trabalho docente e para nos alertar de meras práticas reprodutoras em sala de aula, quando os professores fazem o que é cabalmente determinado por sujeitos externos (secretaria de educação, direção, coordenação, pais, alunos...): “nos vendemos barato; preferimos cumprir rituais formais a enfrentar conflitos”, afirma ele. Trazendo o pensamento ao contexto da gestão educacional, é isso o que presencio na UNITINS. Uma universidade sem coragem para enfrentar seus reais problemas, uma instituição sem autonomia, que não se coloca numa perspectiva de mudança, não conseguindo vislumbrar um cenário diferente deste que a aprisiona há anos. O último exemplo deste ciclo vicioso é o Projeto TO Graduado.

O Projeto de Interiorização Universitária Tecnológica - TO Graduado, como diz o próprio nome, é um projeto. E como projeto é temporário, pontual, direcionado para atender uma demanda específica. Deveria fazer parte de uma ampla política pública, no caso, voltada à Educação Superior do Estado do Tocantins. Mas não. Da forma como se apresenta, o TO Graduado não passa de um projeto de governo interessado nos votos que poderiam ser angariados nas eleições de outubro. Prova disso é a pressa para implementá-lo, desrespeitando o Plano de Desenvolvimento Institucional da universidade que não faz menção a tal ação universitária.

O atropelo foi tamanho que o processo para contratação de docentes aconteceu concomitante ao processo de seleção de estudantes. O próprio vínculo dos colegas professores, por exemplo, é mais um ponto que demonstra a precarização acadêmica de tal projeto. A remuneração dos docentes ocorrerá por meio do pagamento de uma bolsa pedagógica por prestação de serviços, a princípio, pelo prazo vigente de um ano. De fato, não serão professores da Unitins.

Outro ponto que merece a atenção diz respeito à estrutura física onde será desenvolvido o processo de ensino e aprendizagem. A UNITINS repete uma estratégia já conhecida quando da implantação dos seus campi do interior, o uso de prédios alugados, emprestados ou cedidos. No caso do TO Graduado, serão utilizadas algumas salas de aula de unidades escolares da rede estadual de ensino nos municípios em que o projeto se fizer presente. Tudo muito improvisado, inseguro, instável.

O que causa maior estranheza é a Unitins, que sequer consegue estruturar seus campi, abrir novas frentes de atuação, reproduzindo o mais do mesmo observado em situações acadêmicas passadas. Se juntarão aos precários prédios já existentes, agora, os Núcleos de Atuação Universitária em doze municípios do Tocantins. Apesar do bonito nome, estes núcleos funcionarão em espaços que, certamente, possuem suas dificuldades de manutenção e gestão. Quem conhece a realidade da escola básica sabe bem o que eu estou falando.

A meu ver, o grande objetivo do TO Graduado é com o quantitativo de novos estudantes matriculados. E é louvável que os nossos representantes políticos e uma universidade pública defendam a ampliação da oferta de matrículas na Educação Superior. Particularmente, sou um professor que gostaria de ver a Unitins, minimamente, com vinte campi universitários, atendendo a população tocantinense de todas as regiões do estado que anseia por uma formação profissional e cidadã. Para isso, entretanto, é preciso um planejamento responsável, dialógico e participativo, comprometido com uma educação de qualidade, onde as práticas pedagógicas possam ser desenvolvidas em espaços com infraestrutura adequada à efetivação do processo de ensino e aprendizagem. E não é o fato deste cenário adequado se apresentar distante que qualquer oferta de educação deva ser aplaudida de pé. É preciso um olhar crítico para aparentes benevolências políticas. A preocupação não pode se restringir ao quantitativo. É preciso privilegiar o qualitativo no processo de formação científica e profissional. Já passou da hora da Unitins vencer a velha política de que qualquer puxadinho é suficiente à população tocantinense que almeja a Educação Superior. Respeito aos profissionais e aos estudantes é o mínimo que se espera dela.     

Educação Superior, como sabemos, ultrapassa os limites do ensino. Extensão universitária e pesquisa científica fazem parte do contexto acadêmico. E é por esta educação, preocupada com a formação integral do sujeito, voltada à construção de sua autonomia, que a Unitins deveria primar. Honestamente, e tomara que eu esteja equivocado, o que eu vejo no TO Graduado, infelizmente, é a reprodução de uma pedagogia ultrapassada efetivada pela própria Unitins num passado não distante em seus cursos EaD que, por sinal, até hoje trazem ônus administrativo-pedagógicos à universidade, apesar do expressivo número de estudantes formados. O modelo é outro, dirão. Agora, o formato é híbrido, com aulas presenciais e atividades síncronas e assíncronas com o uso de computadores conectados à internet. Pois bem, experiência parecida vivenciamos durante a pandemia com o chamado ensino remoto. Com alguns breves relatos de professores e estudantes dos cinco campi será possível ter uma ideia das dificuldades enfrentadas.

O TO Graduado, com a oferta inicial de mil vagas, tendo a perspectiva de se chegar ao número total de sete mil estudantes até 2027 conforme divulgado, beira a irresponsabilidade e me fez lembrar o escândalo dos cursos à distância, divulgado até no Jornal Nacional da TV Globo, que tinham atendimento presencial precário, entre tantas outras irregularidades, fato que acarretou o descredenciamento da Unitins, à época, para cursos nesta modalidade. A instituição parece ignorar sua própria história e dá indícios de repetição de seus erros. Falta-lhe humildade. Reconhecer-se pequena não é demérito algum. É virtude de autoconhecimento para crescer de forma responsável.

Afora as audiências públicas ocorridas com as populações dos diferentes municípios, o que vimos na implantação do TO Graduado foi uma já conhecida postura conivente da Unitins, fruto de uma instituição sem orçamento digno, dependente de emendas parlamentares para a execução de suas ações pedagógicas. Essa subserviência não é novidade. Eu mesmo já vivenciei situações parecidas em outros momentos históricos da universidade, quando seus gestores eram indicados diretamente pelo Palácio Araguaia e, assim, obedeciam a cartilha por lá divulgada. A diferença, hoje, é que a gestão da universidade é oriunda de uma eleição democrática ocorrida anos atrás. Deste modo, não vejo o porquê desta obediência dócil aos (des)mandos oriundos da Praça dos Girassóis.

Este contexto apresentado me faz retomar os ensinamentos da filósofa Marilena Chauí para destacar que o embate presente na Unitins não é entre tecnocratas eficientes e humanistas utópicos, “mas entre os que julgam a universidade uma organização administrada empresarialmente tendo como horizonte e destino o mercado e os que julgam a universidade uma instituição social que busca o conhecimento, portanto, a reflexão, a crítica e a formação”.Estou entre aqueles que acreditam que a universidade pública é muito mais do que prestação de serviços, é prática social democrática legitimada por sua autonomia, inclusive do saber, frente ao Estado, aos governos e ao mercado, orientada pela ideia de cidadania.  

*Rodrigo Barbosa e Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA) e professor da Unitins, campus Palmas.