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Meio Ambiente

No dia 13 de outubro, será lançado a terceira fase do Dossiê Agro é Fogo, a partir das 10h, pelo horário de Brasília. O evento será realizado de forma presencial na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em Brasília/DF, no Auditório Margarida Alves. A nova fase do dossiê discute sete casos, dentre eles a briga pelo território e a degradação dos recursos naturais na aldeia Lankraré e Catàmjê, em Lagoa da Confusão, no Tocantins. Os Krahô-Kanela, que vivem na região, são impactados pelo desmatamento, uso de agrotóxicos, incêndios e lavouras irrigadas do Projeto Rio Formoso.

O maior causador dos conflitos com os indígenas e comunidades camponesa da região é a irrigação das lavouras através dos rios Formoso e Javaés, que faz a captação de grandes quantidades de água para produção de arroz, milho, soja-semente e melancia, o que consome cerca de 138 milhões de litros de água por dia. Isso afeta, cotidianamente, a dinâmica produtiva dos povos ao provocar seca dos rios, em dadas épocas, e grandes enchentes, em outras. Somado a isso, em 2019, os indígenas daquela região tiveram cerca de 95% do território consumido pelo fogo criminoso e só não queimou toda a aldeia porque a brigada Krahô-Kanela, mesmo com pouco recurso, combateu as chamas. Além dos casos, o dossiê irá apresentar cinco artigos. O lançamento poderá ser acompanhado ao vivo pelas redes sociais.

Para enfatizar a relação intrínseca entre incêndios e conflitos, o Dossiê, a partir da sistematização do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc - CPT), aponta que em 2021 ocorreram 142 conflitos envolvendo o fogo criminoso em 132 comunidades, atingindo ao todo no país 37.596 famílias. Algumas comunidades foram atacadas mais de uma vez, explicitando a ação recorrente de terror tendo o ato de incendiar como arma direta. Os estados de Mato Grosso do Sul (26 ocorrências), Mato Grosso (22), Bahia (14) e Rondônia (10) concentram 50,7% de todos os conflitos com fogo ocorridos em 2021.

A atuação do Estado ou não, sua morosidade, gera consequências fatais para os povos e comunidades tradicionais, seus saberes e sua qualidade de saúde. No Dossiê, isso é discutido pelas veredeiras e veredeiros, pelos povos indígenas, posseiras e posseiros, camponesas e camponeses, pesquisadoras e pesquisadores que detalham o percurso do poder político no rastro dos incêndios do agronegócio no Brasil.

Além disso, o Dossiê também traz uma análise sobre a região da América do Sul em especial os países da Colômbia e Paraguai que lideram concentrações de terras no mundo e, consequentemente, expressam desigualdades sociais muito acentuadas. Esses fatores estão atrelados, como mostra a discussão, a uma atuação econômica que passa pelo âmbito político que rege a terra enquanto expressão de poder e não de produção de alimentos.

Roda de diálogos de lançamento

O momento ainda contará com a roda de diálogos: Brasil em chamas - O poder político no rastro do fogo. Com a presença de Hiparadi Xavante (liderança Xavante do Mato Grosso), Davi Krahô (liderança Krahô Takaywrá do Tocantins), Adriano Karipuna (liderança Karipuna de Rondônia), Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e Barbara Dias, da Agro é Fogo.

No atual governo, o “Dia do Fogo” é cotidiano

A realidade de violência com o uso criminoso do fogo já existia antes, mas se intensifica no Brasil com o governo Bolsonaro e em período de pandemia da Covid-19. O chamado “Dia do Fogo”, ocorrido em 10 de agosto de 2019, por uma ação organizada pelos fazendeiros da região norte do país com a finalidade de incendiar grandes áreas partiu do incentivo do discurso do atual governo.

Esse ato foi um marco no país e só ganhou repercussão internacional após toda essa consequência refletir no Sudeste, em que as fumaças de tais incêndios escureceram o céu de São Paulo no meio do dia. Atualmente tais áreas devastadas, como foi o PDS Terra Nossa, no Pará, continuam sendo, anualmente, invadidas com monoculturas e gerando conflitos agrários mesmo sendo uma terra destinada, por lei, à Reforma Agrária.

O Dia do Fogo não parou em 2019, a cada ano os focos de incêndio aumentam e a recorrência são os mesmos locais em que existe forte atuação do agronegócio. Os incêndios, tanto como ameaça direta - a queima provocada nas casas e pertences - quanto indireta - problemas respiratórios, cardíacos, saúde mental e a invasão de pragas, é um vetor possibilitado pelos governantes para consolidar um projeto de sociedade que gera desigualdades.

O poder político no rastro dos incêndios

Diferente de outros modos de relação com a terra, o “agro”, do “agronegócio” e da “agropecuária”, é discutido no Dossiê mostrando sua outra face que percorre os interesses do capital externo e não o de colocar comida na mesa dos brasileiros. É um modelo que coloca em risco o direito à vida, ao território e à soberania alimentar. Um modelo que só funciona por ciclos de devastação que passam pelos incêndios, grilagem, gerando conflitos e desmatamento para abertura de pastos e limpeza de área para monocultivos.

Os conflitos envolvendo fogo se dão em todos os biomas conforme designação do IBGE. Mas só no Cerrado contínuo e em suas zonas de transição, foram 54% de todos os conflitos com fogo no Brasil no ano de 2021. Existe, portanto, uma sobreposição de violências, por exemplo, nas áreas da Amazônia Legal, 44% das comunidades sofreram com incêndios somados a ações de desmatamento e grilagem.

Só em 2021 o estado de Mato Grosso registrou mais de 7.400 km2 de áreas atingidas por incêndios florestais, o equivalente a quase cinco vezes o tamanho de São Paulo. O Cerrado sofreu com aumento de 7,9% na taxa de desmatamento, número maior desde 2015 e, com o governo de Jair Bolsonaro, toda a devastação do Cerrado já subiu 17%.

São áreas ricas em sociobiodiversidade sendo desmatadas com tratores e fogo, e depois empobrecida com gados e monocultura, e tudo isso ao redor das terras indígenas. Das dez áreas protegidas mais desmatadas entre agosto de 2020 e julho de 2021 em Mato Grosso, seis são do povo Xavante.

A cadeia de devastação entre incêndios, desmatamento e grilagem, é ressaltado no Dossiê com análises e experiências dos povos e comunidades da Amazônia e Cerrado que retratam o quanto os conflitos territoriais apontam alguma ação ou inação do Estado brasileiro. Prática que envolve o uso criminosos do fogo como arma de expulsão, ameaça, desequilíbrio da sociobiodiversidade e da soberania alimentar, enfim, atinge não só quem está no campo, mas também quem se encontra na cidade.

Articulação Agro é Fogo

Importante ressaltar que o “fogo” é um elemento da natureza manejado com sabedoria e cuidado pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e de base camponesa na Amazônia, Cerrado e Pantanal há milênios. Os saberes desenvolvidos ao longo de muitas gerações, adaptados a diversos ecossistemas e herdados por esses povos e comunidades permitiram a conservação e multiplicação da sociobiodiversidade e o manejo de longo prazo da paisagem agroflorestal.

Com outras intenções e em outras escalas, a cadeia do AGRO utiliza o fogo de forma direta ou indiretamente associada a processos de desmatamento e grilagem, buscando promover e consolidar a expansão da fronteira agrícola. Os incêndios florestais provocados no caminho causam a devastação ambiental e, ao mesmo tempo, constituem uma arma para ameaçar e expulsar os povos e comunidades de seus territórios de vida.

A Articulação Agro é Fogo reúne cerca de 30 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da Amazônia, Cerrado e Pantanal e seus povos e comunidades. Surgiu enquanto articulação como reação aos incêndios florestais que assolaram o Brasil nos últimos dois anos. Do infame Dia do Fogo em 2019 aos incêndios que devastaram o Pantanal em 2020, assistimos atônitos a um governo federal que mente sobre as causas e sobre a sua própria responsabilidade no ocorrido.

O que move a Articulação é não somente a necessidade de qualificar o debate público, mas, sobretudo, ir além das imagens de satélite e números de desmatamento, trazendo a dimensão do que é vivido no chão da floresta e dos sertões.