Um dos temas mais relevantes no âmbito das relações do trabalho para o próximo presidente da República é regulamentar o trabalho por aplicativos. No âmbito jurídico, alguns entendem que estes trabalhadores são empregados; outros, que são autônomos.
No entanto, poucos pensaram em perguntar para estes trabalhadores como eles se sentem e se querem exercer sua atividade com ou sem vínculo de emprego. O Datafolha perguntou.
Em dezembro de 2021, pesquisa do Datafolha revelou que 2 em cada 3 motoristas e entregadores preferem ser classificados como profissionais que trabalham por conta própria a ser classificados como empregados.
Para se compreender o motivo desta preferência, o mesmo estudo demonstrou que o que mais atrai estes trabalhadores a este modelo de trabalho é sua flexibilidade, “ter horários flexíveis”, ou seja, eles querem ter autonomia e liberdade para poder executar outras atividades.
As pesquisas não apontaram o que afirmarei abaixo, mas há um indicativo do que seja o sentido desta autonomia, flexibilidade e liberdade no trabalho.
Uma das características do trabalho com vínculo de emprego é sua perpetuação no tempo. Toda lógica da CLT é sobre o trabalho que se perpetua no tempo para um único empregador, ou seja, que os trabalhadores, nesta relação perene, se subordinem a um único empregador durante o máximo de tempo possível. É tudo o que os trabalhadores de aplicativos não querem.
O trabalho por aplicativo tem um elemento peculiar: é efêmero. Para se compreender isso, é só perguntar para algum destes trabalhadores por aplicativos sobre o que pensam sobre seu trabalho: não raro ouviremos que estão nesta atividade “temporariamente”, para fazer “um bico” ou para “complementar a renda”. Nota-se nas respostas que existe alguma coisa de “provisório” no exercício deste tipo de trabalho.
O trabalho por aplicativo é, portanto, efêmero porque estes trabalhadores não se veem executando sua atividade durante um longo período, tampouco imaginam se aposentar como trabalhadores por aplicativos, muito menos desejam se subordinar exclusivamente a um empregador. Eis o motivo pelo qual os trabalhadores por aplicativos não querem a proteção do vínculo de emprego, mas tão somente proteções previdenciárias, mas não como empregados – outro dado interessante que a pesquisa apontou.
O elemento pouco compreendido sobre o trabalho por aplicativo é o da sua efemeridade, que gera efeitos jurídicos trabalhistas e previdenciários. É efêmero, como dito, porque estes trabalhadores querem, no exercício desta atividade durante um curto tempo, ter flexibilidade, autonomia, liberdade de escolher para quem desejam trabalhar, sem jornada de trabalho fixa, até porque trabalhadores por aplicativos não raro têm outros empregos ou executam outras atividades para outros contratantes de seus serviços.
Se seguirmos a premissa de que estes trabalhadores não têm liberdade para executar suas atividades porque estariam subordinados aos algoritmos das plataformas digitais, então o trabalhador autônomo, PJ ou MEI, por exemplo, não teria liberdade alguma, tampouco seria uma atividade autônoma porque estaria também “subordinado” aos meios telemáticos, computadores, WhatsApp, que são gerenciados pelos mesmos mecanismos que “subordinam” os trabalhadores por aplicativos. Em outras palavras, o Brasil seria o único país no planeta que só admitiria um tipo de trabalho: aquele com vínculo de emprego.
O trabalho efêmero é o DNA do trabalho por aplicativos. A efemeridade deste tipo de atividade traz o elemento da flexibilidade, da não exclusividade, da autonomia, da possibilidade de escolher e de trabalhar para vários contratantes de seus serviços – tudo muito diferente do trabalho com vínculo de emprego.
Diante de tudo isso, há se compreender por que a pesquisa do Datafolha constatou que estes trabalhadores não desejam ser enquadrados como empregados.
Este é um indicativo do caminho que se deve trilhar para conferir proteções sociais aos trabalhadores por aplicativos: um caminho longe da CLT. Um grande desafio para o Parlamento e para o próximo Presidente da República.
*José Eduardo Gibello Pastore é advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio do Pastore Advogados