Por 11 votos a 8 os vereadores de Palmas/TO mantiveram o veto da prefeita Cinthia Ribeiro ao autógrafo de Lei Municipal que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas de Palmas, bem como no material didático distribuído às crianças. A votação ocorreu de maneira secreta em sessão realizada na manhã desta quarta-feira, 22.
A discussão sobre o assunto no Legislativo municipal se arrasta desde 2021, quando o ex-vereador Filipe Martins – hoje deputado federal – apresentou Projeto de Lei com objetivo de proibir o uso da linguagem neutra nas escolas da capital, sejam públicas ou privadas.
Mesmo que o assunto pareça dirimido já em sua origem, uma vez que a competência para legislar sobre assuntos envolvendo educação cabe à esfera federal, os vereadores aproveitaram a polêmica para gerar fato político junto às suas bases predominantemente evangélicas. Nesta terça-feira, 21, um dia antes da votação, a Câmara realizou audiência pública com presença de pastores e entidades religiosas para discutir o tema.
“Isso é um alarde oriundo de setores conservadores para despolitizar outras pautas que são urgentes e necessárias”, analisou a professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e coordenadora do Observatório Feminista Outras, Gleys Lally Ramos.
Em mensagem ao Legislativo em dezembro do ano passado, a prefeita Cinthia Ribeiro comunicou o veto total à lei alegando inconstitucionalidade formal no projeto. A gestora justificou que cabe à União legislar sobre Educação.
O Coletivo Somos faz coro ao posicionamento de que o debate na Câmara de Palmas é vazio, servindo apenas para que os vereadores possam sinalizar às bases conservadoras. “O Projeto de Lei é inconstitucional. Seja ele para instituir ou para proibir uso de linguagem neutra, não é abrangência do município, nem no âmbito Legislativo, nem no Executivo. Um debate irreal, já que não existe nenhuma escola nem no Tocantins, nem no Brasil inteiro usando linguagem neutra como regra. É um debate vazio que só ocupa a Câmara com temas que não resolvem nenhum problema real da cidade”.
O Coletivo reforçou ainda que a discussão a respeito da linguagem neutra é um ardil ideológico. “Este movimento com pautas anti-LGBTQIA, principalmente contra a população trans, não é uma pauta palmense. É uma tática da extrema-direita mundial para se manter em alta no debate público. Os políticos de extrema direita de Palmas estão apenas seguindo uma cartilha. Criar um inimigo imaginário. E é fácil usar a população trans como espantalho, porque a maioria das pessoas não tem contato com pessoas trans, nunca conversaram com uma e não conhecem esta realidade. Por isso, têm medo. Medo do desconhecido”.
Linguagem neutra
De acordo com o Somos, cerca de 2% da população adulta brasileira são pessoas transgênero e não binárias – ou seja, se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído ao nascer ou não se percebem como pertencentes exclusivamente ao gênero feminino ou masculino. Os dados são de um levantamento pioneiro feito pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) publicado na Nature Scientific Reports em 2021.
Gleys Ramos lembra que linguagem e língua são diferentes “A linguagem é uma forma de se tratar pessoas no cotidiano e essa forma quer respeitar pessoas que não se sentem referendadas nem pelo masculino, nem pelo feminino”, explicou.
De acordo com a professora, a diferenciação é importante, uma vez que a linguagem é uma forma de tratamento utilizada no cotidiano para incluir pessoas que não se sentem referenciadas pelas formas tradicionais de tratamento. “A linguagem não é obrigatória. É uma forma de tratamento, então, ela não vai alterar a norma culta nem a gramática, somente a forma falada da língua. É uma forma de inclusão que os setores conservadores não se preocupam em aprender e respeitar”, frisou Ramos.
Já o Somos destacou que ainda não há consenso sobre o uso da linguagem neutra nem mesmo dentro da própria comunidade LGBTQIA. “O uso ou não de linguagem neutra ainda está em debate dentro da própria comunidade LGBTQIA e nas universidades. Não há consenso sobre o tema para que seja usado como norma. E, se houvesse tal consenso, caberia ao Governo Federal implantar, via MEC, o que não está acontecendo. o que nos preocupa é: usar ou não linguagem neutra vai fazer com que pessoas trans possam ter empregos que não as empurre para a prostituição? Vai permitir que pessoas trans usem banheiros públicos sem serem agredidas? Vai aumentar a expectativa de vida para mais de 35 anos? Esta é a nossa preocupação”, finalizou.