Entidades ligadas a defesa dos direitos humanos dos Estados do Rio Grande do Sul, Tocantins e São Paulo, protocolaram uma Ação Civil Pública em que pede a Justiça a condenação das vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, ligadas a acusação de trabalho análogo à escravidão, ao pagamento de uma indenização de R$ 207 milhões, por dano moral coletivo.
Protocolada no dia último dia de 17 pelo Coletivo Cidadania, Antirracismo e Direitos Humanos, representada por advogados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Tocantins, a ação, que foi encaminhada para a 2ª Vara Cível de Bento Gonçalves (RS), pede que a condenação seja equivalente a R$ 1 milhão para cada trabalhador resgatado.
Além do Movimento Estadual de Direitos Humanos no Tocantins e do Coletivo Cidadania, também assinam a ação As Associações, Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, do Rio Grande do Sul, Coletivo de Advogados pela Democracia (COADE) e a Soeuafrobrasileira, ambas de São Paulo.
A ação requer do poder judiciário a condenação das empresas envolvidas a pagar o dano coletivo no valor de 207 milhões a serem destinados ao Fundo do Conselho de Igualdade Racial, com objetivo de realizar ampla campanha nacional de combate ao trabalho escravo, capacitações e assistência aos trabalhadores escravizados. Além disso, essa Ação possui o caráter educativo pedagógico no sentido de debater o tema perante o poder judiciário, executivo, legislativo e sociedade em geral.
A ação trata do resgate, realizada no dia 22 de fevereiro último, de 207 trabalhadores nordestinos (maioria da Bahia), durante operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal do Trabalho (MPT) Polícias Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). O trabalhadores eram submetidos à condições análogas à escravidão na colheita da uva em um Alojamento em Bento Gonçalves, na Serra gaúcha, chocou o país e ganhou repercussão em todo o mundo.
De acordo com os órgãos envolvidos na Operação, os trabalhadores foram atraídos por promessas de emprego temporário e ofertas de salário de R$ 4 mil, alojamento e refeições pagas.
O escandaloso caso de escravidão contemporânea em um dos Estados mais desenvolvidos do país, só se tornou conhecido, após três trabalhadores submetidos às condições mais degradantes procurarem o posto da Polícia Rodoviária Federal, em Caxias, afirmando terem fugido de um alojamento no Bairro Borgo, a cerca de 15 quilômetros dos vinhedos de Bento Gonçalves, em que eram mantidos contra a vontade.
No total, 207 homens foram recrutados pela empresa Fênix – Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda., empresa terceirizada pelas Vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, as mais importantes produtoras de vinho da região e do país, com presença destacada no mercado vinícola nacional e internacional.
De acordo com relatos dos trabalhadores ao MPT, a partir do momento em que chegaram ao Rio Grande do Sul, passaram a viver a rotina da escravidão moderna e aos maus tratos, como receber comida estragada dos representantes da empresa preposta das vinícolas, e a serem forçados a comprar produtos de subsistência apenas no mercadinho próximo ao alojamento onde se praticava preços superfaturados.
As aberrações não ficaram nisso. Denúncias feitas pelos próprios trabalhadores vítimas, revelam que o tratamento dado aos nordestinos e aos trabalhadores gaúchos era diferente: “Eles apanhavam bastante. Qualquer coisa que estivesse errada, apanhava. Nós do sul, não apanhávamos”, afirmou um deles.
A violência, a discriminação racial e regional e trabalho análogo a escravidão é crime gravíssimo e atenta contra o estado democrático de direito, afronta a Constituição Federal e legislação correlata, não podemos nos calar diante destes crimes.
De acordo com o MPT somente neste ano de 2023 já foram resgatados 890 trabalhadores de condição análoga a de escravidão no Brasil (site do MPT). É fundamental que a sociedade brasileira intensifique o debate e exija a punição das empresas escravocratas que enriquecem às custas do trabalho escravo.