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Opinião

A estabilidade no setor público brasileiro, introduzida na Constituição de 1934 e ratificada na Carta Magna de 1988, em seu Artigo 41, atende a um preceito global das nações democráticas, de tornar o funcionalismo imune à alternância partidária e ideológica nos governos e às influências políticas e de interesses de grupos. Resguarda-se, assim, o direito da população a serviços eficazes e isonômicos.

Para que essa condição seja garantida também é essencial que a contratação dos servidores se baseie em critérios técnicos, conhecimento e capacitação, sem qualquer interferência de políticos, autoridades ou segmentos da sociedade e do poder econômico. Daí o significado e a fundamentação dos concursos públicos. O primeiro deles, organizado de modo semelhante ao que há atualmente, realizou-se em 1937, quando cerca de cinco mil candidatos disputaram vagas no então Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI).

Com o tempo, muitos aperfeiçoamentos verificaram-se no âmbito dos concursos públicos, essenciais à admissão de profissionais capacitados à prestação de serviços aos brasileiros. Estamos falando, dentre outros, de professores, médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, delegados de polícia, investigadores e outras carreiras da segurança, fiscais, engenheiros, geólogos, magistrados, cartorários dos fóruns, promotores, defensores públicos, procuradores, técnicos e atendentes da previdência, economistas e todo o pessoal especializado que provê suporte administrativo às distintas áreas.

Considerada a importância dos concursos, é louvável a intenção do atual governo de promover seu aperfeiçoamento, a partir do Projeto de Lei 2.258/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados. Trata-se de substitutivo ao PL 92/2000 do Senado, que agora precisa ratificar a matéria. A incorporação de tecnologia para melhorar os processos de seleção, ampliação da diversidade nos grupos de candidatos e melhor adequação dos conteúdos e focos de conhecimento específicos para cada carreira são avanços relevantes.

Entretanto, outras possibilidades em discussão, a exemplo de entrevistas pessoais e treinamento prático supervisionado como requisitos para admissão, precisam ser mais bem-analisadas. Afinal, são critérios que fogem à objetividade dos exames e submetem os candidatos ao julgamento subjetivo de terceiros. Por mais que se preze pela imparcialidade e proficiência dos profissionais responsáveis por essas etapas suplementares e eliminatórias, é muito difícil garantir imunidade integral a influências e avaliações de caráter pessoal, colocando-se em risco o fundamento basilar do concurso público. Outro ponto questionável encontra-se no Artigo 8º do PL, que prevê a possibilidade de realização de provas on-line. Não acredito que haja qualquer modelo cibernético capaz de assegurar a plena segurança desse processo virtual. O risco de fraudes seria imenso.

O modelo de contratação dos profissionais para a prestação de serviços à sociedade deve ser sempre melhorado e aprimorado, em linha com as transformações socioeconômicas e os avanços tecnológicos e das estruturas laborais. No entanto, é preciso preservar totalmente a integridade, a imparcialidade e a lisura do concurso público, principal fator para que o funcionalismo não trabalhe para governos, mas sim para o povo.

*Artur Marques da Silva Filho, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).