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Opinião

Claudia de Lucca é advogada, consultora empresarial, especialista na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios.

Claudia de Lucca é advogada, consultora empresarial, especialista na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Claudia de Lucca é advogada, consultora empresarial, especialista na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios. Claudia de Lucca é advogada, consultora empresarial, especialista na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios.

A cannabis medicinal que já é uma realidade no tratamento de uma série enfermidades com seres humanos também é uma alternativa para o cuidado com a saúde de pets. Cães, gatos e outros animais de estimação possuem um sistema endocanabinoide em seus corpos, o que permite que a cannabis medicinal tenha efeitos semelhantes aos observados em pacientes humanos.

A cannabis medicinal pode ser usada para tratar doenças neurológicas, dores crônicas, doenças autoimunes e até mesmo câncer em animais de estimação. No entanto, é fundamental consultar um veterinário especializado antes de iniciar qualquer tratamento.

Importante destacar que, assim como a prescrição de medicamentos para humanos, é crucial não administrar cannabis medicinal de forma indiscriminada, pois o organismo dos animais é sensível e reage de maneira diferente. Doses excessivas podem causar problemas de coordenação, sonolência e alterações no sistema nervoso. Além disso, a metabolização ocorre no fígado, o que exige atenção em relação a possíveis interações medicamentosas. Em geral, o tratamento é realizado por via oral, utilizando óleos à base de cannabis. A dose e a duração do tratamento variam de acordo com as necessidades do animal, sendo essencial a avaliação do veterinário para determinar a viabilidade do tratamento.

Por esses motivos, é fundamental que seja consultado um veterinário para avaliar o uso dos fármacos à base de cannabis e o seu uso em conjunto com outros medicamentos. Isso porque animais que tomam muitos medicamentos, têm problemas cardíacos ou pressão baixa constante não são candidatos ideais para a cannabis medicinal. É importante monitorar periodicamente as enzimas hepáticas, pois a metabolização ocorre no fígado e pode afetar essas enzimas.

A regulamentação do uso veterinário da substância ainda provoca controvérsia. No Brasil, cabe ao Ministério da Agricultura (MAPA) regulamentar os produtos de uso veterinário no Brasil e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regular os produtos de uso humano. Na RDC 327/19 da Anvisa está disposto que a cannabis se destina apenas ao uso humano e que a prescrição é exclusiva de médicos habilitados pelo Conselho de Medicina.

Imperioso explicar que a Anvisa é o órgão responsável por organizar e atualizar as listas de insumos sob controle especial liberados para uso, através da Portaria 344/98.

A Agência é o órgão técnico que centraliza as informações sobre o consumo de drogas lícitas no Brasil e que representa o país perante a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, da Organização das Nações Unidas (JIFE/ONU). Cabe a Anvisa, por exemplo, a gestão do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, onde são escrituradas as movimentações de substâncias de uso humano e veterinário. Por isso, em 2023, a Anvisa e o MAPA divulgaram esforços conjuntos para revisar a lista de adendos da Portaria 344, para incluir o uso veterinário de cannabis de forma mais clara na regulamentação.  

A previsão é de que isso ocorresse em setembro, no entanto acabou não da RDC 816/2023, última atualização da P. 344 publicada pela Anvisa. 

E o canabidiol (CBD) já consta da lista de insumos autorizados da Portaria 344, de modo que médicos veterinários estariam automaticamente autorizados a prescrever a cannabis para uso veterinário, por força da própria portaria, que estabelece prescrição médica, veterinária ou odontológica para insumos sob controle especial.

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) afirma que os médicos veterinários se encontram em condição de incerteza jurídica nestes casos e pede que os profissionais não receitem medicamentos à base de cannabis, indicando que para maior segurança do prescritor, é recomendado até mesmo judicializar o pedido. Já o Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMVSP) possui um Grupo de Trabalho desde 2022 sobre o uso da cannabis medicinal para animais.

Certo é que inúmeros profissionais veterinários já prescrevem cannabis veterinária e os tutores costumam se socorrer de farmácias de manipulação que possuem autorização judicial, de associações de cultivo e plantio que atuam na extração do óleo, ou mesmo realizando a importação direta, mediante autorização excepcional da Anvisa, através da RDC 660.

Portanto, a cannabis medicinal para pets é uma alternativa real, mas deve ser usada com responsabilidade e sob a orientação de um veterinário experiente. Cada animal é único, e seu tratamento deve ser personalizado para garantir o bem-estar e a saúde do companheiro de quatro patas. 

*Claudia de Lucca Mano é advogada, consultora empresarial, especialista na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann.