Opinião

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

O tema está na ordem do dia. Deve haver um limite de idade para alguém poder pleitear o cargo de presidente da República? A maioria dos norte-americanos, 78% da população, acha que sim. A polêmica se dá em torno dos traços de senilidade apresentados pelo presidente Joe Biden, por ocasião do debate entre ele e o adversário republicano, Donald Trump, promovido pela CNN, dias atrás.

Se Biden, com 81 anos, for eleito, estará no final de seu novo mandato com 86 anos. O presidente mostrou dificuldade em completar frases, confundiu assuntos, parecia confuso, por ocasião do enfrentamento direto com Trump, e, nessa esteira, puxa a questão para a mesa dos democratas, que fazem forte pressão para que se afaste do pleito, dando lugar um perfil mais jovem.

A história registra casos de governantes que sinalizaram problemas por conta da idade. Nos Estados Unidos, na virada das décadas de 1910 e 1920, por ocasião dos últimos três anos de seu mandato, o democrata Woodrow Wilson ficou parcialmente incapacitado devido a um derrame cerebral. Ele tinha 63 anos.

A primeira-dama, Edith Wilson, passou a filtrar os relatórios presidenciais e a delegar tarefas a funcionários do gabinete. Analistas e consultores acreditam que foi ela, e não ele, que comandou o país durante boa parte do seu segundo mandato, que acabou em março de 1921.

Ocorreu, em tempos mais recentes, o caso de Mal de Alzheimer que acometeu Ronald Reagan. O republicano tornou-se, em sua época, o presidente mais velho ao final de seu mandato, em 1989, aos 77 anos. Em 2011, um dos filhos de Reagan confirmou as suspeitas da imprensa de que seu pai já apresentava sintomas nos últimos anos da Presidência. O anúncio oficial da doença veio apenas meia década após o republicano deixar o poder.

No Brasil, o marechal Artur Costa e Silva governou, de março de 1967 até agosto de 1969, quando sofreu uma trombose cerebral que o afastou definitivamente da presidência (faleceu em dezembro). Assumiu o governo uma Junta Militar, composta pelo general Aurélio Lira Tavares (Exército), brigadeiro Marcio Souza Melo (Aeronáutica) e almirante Augusto Rademarker Grünewald (Marinha).

Como se intui, o tema volta à mesa do debate. E se cerca da aura do bom senso. No caso brasileiro, os legisladores tiveram o cuidado de marcar limites de idade mínima para os cargos nos espaços dos Poderes. A  Constituição Federal de 1988 prevê idade mínima como uma das condições de elegibilidade. São condições: a idade mínima de 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; e 18 anos para Vereador.

Não há limites para a idade máxima. O tema reaparece quando sinais de doenças aparecem. Vale, por aqui, e em outras democracias, a lei do bom senso. Ou seja, enquanto o governante/representante demonstrar vitalidade, viço, energia vital, capacidade cognitiva, não pode ser tolhido em sua caminhada cívica. Capacidade cognitiva, eis a chave para abrir a porta do debate. Não se trata, como alguns governantes apregoam, de explicitamente manifestar disposição física de um jovem de 20 anos, sugerindo ao ouvinte uma admirável performance sexual. Trata-se, isso sim, de uso pleno de vigor mental, capacidade de discorrer, ouvir, analisar, vivenciar, enfim, as dobraduras do pensamento.

O que importa é um bom desempenho do papel. A propósito, Norberto Bobbio, o grande cientista social italiano, lembra que o valor central da democracia representativa é, quanto ao “quem”, que o parlamentar seja um fiduciário, e não um delegado; e, quanto ao “que coisa”, que o fiduciário represente as demandas gerais, e não os interesses particulares. O que estamos acostumados a ver é a prevalência da res privada sobre a res publica.

Volto à questão da idade. Deve haver o limite para a idade máxima? 75 anos? 65 anos? Pondero: não seria melhor deixar a decisão ao eleitor? Um governante, prolifero em disparates e autor de lorotas e promessas vãs, deve ou não merecer o voto da comunidade política? Lembrando: entre nós, o mais novo presidente a tomar posse no cargo foi Fernando Collor de Melo. Que fez até coisas boas, como a abertura comercial do Brasil, mas foi afogado no pântano da corrupção. Já Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em seu terceiro mandato com 77 anos.  No seu primeiro, tinha 57 anos. Estaria a merecer um quarto mandato em 2026? Que a decisão fique com o eleitor.

Nos EUA, é possível que Joe Biden não ceda às pressões e continue na liça. Mas, e se for flagrado em novos desastres cognitivos? Não se sustentaria. Na visão deste analista, não conseguiria se manter como candidato sem o apoio de seu partido. Decisão para os próximos dias. A ameaça que recai sobre a maior democracia ocidental é real. Um sujeito sem eira nem beira poderia cometer desatinos. E a culpa também cairia no colo de quem viu o desastre adiante de seus olhos e não moveu a palha para evitar o incêndio.

Os tempos estão quentes no planeta.

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.