O relato de Vânia Lúcia de Lima, Policial Militar do Tocantins da reserva, revela um dos momentos mais tristes e dolorosos da família: a morte da sobrinha em virtude de sinistro de trânsito. A jovem tinha apenas 18 anos na época e perdeu a vida ainda no local. O avô que tinha 75 anos na data do ocorrido teve ferimentos e algumas sequelas, mas nada se compara a dor e o sofrimento de ter perdido a neta.
“Era uma tarde de julho de 2016, mais ou menos umas 17h30, na estrada entre os municípios de Sítio Novo e Axixá do Tocantins, região conhecida como Bico do Papagaio, quando o veículo em que minha sobrinha e o avô dela estavam colidiu com outro que se encontrava estacionado de forma inadequada às margens da TO-010. Em alta velocidade, após a colisão o veículo capotou várias vezes, sendo que no último giro o peso do carro ficou todo em cima nela. Recebi a notícia do óbito da minha sobrinha por meio de alguns familiares, e logo veio aquele sentimento de tristeza e negação, mas tive que me recompor para dar a notícia ao meu irmão, que na época morava nos EUA, sobre a morte da filha, o que tornou a situação ainda mais difícil”, contou Vânia.
Bett Lopes, administradora e pastora, também carrega marcas da perda de um ente querido por sinistro de trânsito, mais especificamente, o pai, Matusalém de Carvalho Lopes, na época aposentado de 78 anos, que morreu após ser “atropelado por um motoqueiro que vinha empinava a moto, que viemos descobrir depois que nem habilitação o rapaz possuía”, conforme relata a filha do aposentado. Matusalém foi atropelado a poucos passos da faixa de pedestre, vindo de uma quadra na região norte de Palmas, a caminho de casa.
O motociclista não prestou socorro e fugiu do local, deixando o pai de Bett à deriva, esperando o socorro que chegou 40 minutos depois. O aposentado chegou a ser internado. Foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Palmas, onde foi entubado, e logo encaminhado para o Hospital Geral de Palmas (HGP), onde ficou na sala vermelha, passando por cirurgias nas pernas. Ele teve as duas pernas fraturadas em dois lugares; 4 costelas quebradas; pulmão perfurado; pulsos quebrados e o traumatismo crânio. Matusalém não resistiu e morreu dois dias depois de ter sofrido o sinistro de trânsito.
“A vida sem meu pai tem sido um desafio. Sentimos falta dele todos os dias, porque ele era muito presente e ativo. É um vazio tão inexplicável que não se parece com nada que eu já tenha imaginado. É uma dor que está sempre presente e não importa onde vamos, a dor está sempre lá, porque meu pai não está. Meu pai não foi morto por um acidente, ele foi assassinado por alguém que não valoriza a vida, nem a dele e nem a do outro. E assim como nós, muitas famílias têm perdido seus queridos por este tipo de pessoa, neste tipo de situação”, conta a filha de Matusalém.
“A questão da morte é para o ser humano um grande mistério, quando vem de maneira brutal e inesperada, como foi, é ainda pior. A mãe dela, minha cunhada, até hoje nunca se recuperou do trauma desencadeado pela perda da filha, o irmão está inconformado com a morte da irmã e o avô viveu muito tempo com sentimento de culpa pelo ocorrido. A situação foi ainda pior para a mãe, que hoje consegue passar pelo local do sinistro e teve que mudar de cidade. Mesmo 8 anos depois, nós seguimos nossa vida ainda sem acreditar em tudo isso que aconteceu”, relata a PM.
O sofrimento de outras 500 famílias
A dor da perda e as lembranças da família de Vânia e Bett são alguns dos sentimentos, entre muitos outros, também compartilhados pelos familiares, amigos, entes queridos e conhecidos das 581 pessoas que perderam a vida em decorrência de sinistros de trânsito em 2023, no Estado do Tocantins, segundo levantamento da Gerência de Estatística do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/TO) e da Secretaria da Saúde do Tocantins (SES/TO). Para se ter uma ideia, isso significa dizer que todo dia aproximadamente duas pessoas morreram por sinistros.
No domingo, 17, o Governo do Tocantins, por meio do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/TO), lembra do Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito, uma data que chama a reflexão toda a população tocantinense acerca dos altos índices de morte por sinistros de trânsito no estado e o impacto dessas ocorrências na vida de familiares, amigos e conhecidos das pessoas que passaram por esta situação.
Dia Mundial em Memórias das Vítimas de Acidentes de Trânsito
Completando 29 anos desde a sua promulgação pela Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Mundial em Memórias das Vítimas de Acidentes de Trânsito ocorre no terceiro domingo do mês de novembro, a data tem o objetivo de lembrar das pessoas que perderam a vida em virtude de sinistros de trânsito, como a sobrinha de Vânia e o pai de Bett, e também prestar apoio e solidariedade aos familiares e amigos das vítimas, como a própria Vânia e Bett.
A data também trata de homenagear aqueles que sobrevivem hoje com sequelas em virtude de acidentes de trânsito, como também equipes de emergência, polícias, autoridades de trânsito, enfermeiros e médicos, entre outros profissionais, que lidam diariamente com as consequências traumáticas das mortes e lesões no trânsito no dia a dia.
Segundo o gerente de fiscalização e segurança, e agente de trânsito do Detran/TO, Enildo Leite, o Dia Mundial em Memórias das Vítimas de Acidentes de Trânsito é importante para tratar da realidade violenta que os sinistros causam nas vias de todo o estado.
“Cada vida perdida é uma história interrompida, um sonho desfeito, e não podemos esquecer que, por trás de cada número, existe um ser humano — alguém que tinha pessoas que o amavam e esperavam seu retorno. Este dia é uma oportunidade para lembrar que a segurança no trânsito é responsabilidade de todos nós. Não se trata apenas de seguir regras, mas de respeitar a vida, o próximo e, acima de tudo, entender que cada escolha que fazemos no trânsito pode ter um impacto profundo e irreversível”, pondera o gerente.
Para o presidente do Detran/TO, Willian Gonzaga, o intuito é evidenciar o valor simbólico e educativo que a data carrega. "Pois serve para sensibilizar a sociedade sobre a gravidade da temática que o trânsito envolve e a necessidade de mudanças em diversos níveis. Queremos que com esta data possamos refletir acerca das consequências de nossas ações no trânsito e para que trabalhemos coletivamente por vias mais seguras e humanizadas. Em memória a todos aqueles que perderam a vida no trânsito, colocamos aqui o nosso compromisso com a construção de um futuro onde as vidas possam ser preservadas, e não perdidas”, reforçou o titular da pasta.
Quase 400 mortes
O Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito é uma importante forma com que entidades governamentais e setores da esfera públicas e privadas encontraram para poderem demonstrar a os altos índices de sinistros de trânsito e evidenciar o impacto das mortes e lesões desse tipo na vida das pessoas, sensibilizando a comunidade em prol da construção de vias seguras com condutores mais prudentes, responsáveis e humanos.
Ainda de acordo com os dados do Detran/TO e da SES/TO, de janeiro a agosto de 2024, houve o registro de 393 mortes por sinistros de trânsito no estado, o que evidencia a relevância desta data como uma maneira de chamar a atenção de todos os tocantinenses sobre a dimensão deste problema. Ainda conforme dados da gerência de estatísticas do Detran/TO, até setembro de 2024, o estado do Tocantins registrou 4.244 sinistros de trânsito.
Diante deste cenário, ao longo de todo o ano, o Detran/TO desenvolve uma série de ações educativas e operações repressivas periodicamente, além do patrulhamento diário, que buscam coibir mortes por sinistro de trânsito e salvar vidas.
Mudança de comportamento no trânsito
Mais do que uma data no calendário, o Dia Mundial em Memórias das Vítimas de Acidentes de Trânsito é também um momento para sensibilizar toda a comunidade sobre o impacto dos sinistros de trânsito, de modo a incentivar uma mudança no comportamento dos condutores na direção de um veículo, pedestres e demais usuários nas vias. Assim, o Detran/TO traz algumas boas práticas que evitam a chance de ocorrência de um sinistro e assim são capazes de salvar inúmeras vidas:
1- Direção defensiva: dirija com atenção e cautela, sempre preparado para a possibilidade de ocorrência de sinistro
2- Setas não são opcionais, sempre que for fazer uma ação, sinalize.
3- O trânsito não é competição de quem chega primeiro, respeite os limites de velocidade e as demais sinalizações
4- Ao assumir o volante, deixe o celular de mão. Desligue-o ou ponha no silencioso
5- Use cinto de segurança, capacete e demais equipamento obrigatórios
6- Não assuma o volante após ingerir bebida alcoólica ou usar drogas
Recado aos condutores
“No trânsito todo cuidado é pouco, precisamos conduzir veículos como se nunca tivéssemos preferência, pois de nada adianta ser dono da preferência e depois perder a vida por imprudência e falta de responsabilidade, ou passar uma vida inteira com o sentimento de culpa ou arrependimento. Dirigir defensivamente é dirigir não só por você, mas pelo outro também, afinal, sempre tem alguém que te ama, esperando chegar em casa”, diz a PM, Vânia Lúcia Lima.
“Todos nós que temos a chance de conduzir um veículo, precisamos entender de uma vez por todas, que existem riscos fatais. Conduzir de forma irresponsável é assumir o risco de morrer e matar. É preciso não apenas uma direção defensiva, mas também uma direção responsável, pensando na própria segurança e na dos outros. Que todos os dias ao sairmos de casa em nossos veículos possamos lembrar, o quanto uma vida é importante e a partir desse pensamento conduzir de forma responsável”, enfatiza Bett.
No trânsito, cada sinistro pode ser evitado, por isso, o Detran/TO lembra a todos os tocantinenses que qualquer vida perdida nas vias é inaceitável. O órgão orienta os condutores que ao sair de casa não esqueçam da responsabilidade. "Da atenção e do cuidado que se deve ter no trânsito, pois sempre há alguém que amamos e nos amam, que aguarda o nosso retorno para casa. Paz no trânsito, começa por você!", destaca o órgão. (Detran/TO)