Entre os 718 estudantes aprovados no Vestibular 2025/1 da Universidade Federal do Tocantins (UFT), um tem algo incomum para uma lista de calouros do ensino superior: mais de 80 anos de idade. Nascido em 1943, o advogado paulistano Mário Roberto de Azevedo Bittencourt tem 44 anos de profissão e se formou na primeira graduação, Direito, em 1980, no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). De lá pra cá, ele conta, nunca mais tinha estudado. Aposentado há 20 anos, também nunca deixou de trabalhar, e segue na ativa atuando na área jurídica da Secretaria de Saúde do estado.
Mário vive com a família no Tocantins há 24 anos e é pai da servidora da UFT, Olívia Tozzi Bittencourt. "Em agosto, mais ou menos, ele começou a me perguntar que cursos a UFT tinha à noite, porque durante o dia ele trabalha. E queria alguma coisa na área de [Ciências] Humanas, porque não gosta muito de Exatas", entrega Olívia, orgulhosa. "Eu fui a maior incentivadora!"
Como o Extravestibular já havia passado, onde ele teria podido concorrer a vagas em um processo seletivo simplificado como portador de diploma para a segunda graduação, ele precisou encarar o Vestibular tradicional.
Confiante, o agora calouro do Curso de Filosofia disse que não se surpreendeu com a aprovação quando o resultado foi divulgado nesta quinta-feira (19). "Eu não me preparei nada, porque não deu tempo. Fui com a cara e a coragem. Depois da prova eu sabia que não ia acertar muitas questões de matemática ou ciências, mas com a redação, principalmente, eu achava que ia me sair bem".
Apesar da experiência e maturidade, Mário diz que se sente como se fosse a primeira vez. "A expectativa é a mesma que eu senti mais de 40 anos atrás!"
Ele, que não faz planos de se aposentar "pra valer", já está pensando em como irá adaptar a rotina para conciliar o trabalho com a nova jornada de estudante. "Agora vou deixar de ver novela", brinca. "Como só trabalho à tarde, vou para a universidade à noite e terei as manhãs livres para exercitar e desenvolver o que estiver aprendendo nas aulas."
Com a Filosofia, ele diz que não tem pretensões profissionais. "É mais uma questão de satisfação pessoal mesmo. Eu estava querendo mudar um pouquinho a rotina. Eu gosto de criar, não gosto de ficar parado!"
Mesmo ainda não tendo feito a matrícula, Mário já diz que não pretende parar de estudar depois que terminar esse curso. "Agora já estou pensando em fazer outro depois da Filosofia, só não sei ainda qual vai ser."
O professor e coordenador do Curso de Filosofia, Leandro Freiberg, desejou as boas-vindas ao novo estudante. Ele, que já teve um aluno de 74 anos de idade antes, diz que não se surpreende com a novidade da aprovação.
"O interesse pela filosofia ocorre nas mais diversas gerações, profissões e culturas. Acontece muito no Ensino Médio de os alunos terem interesse pela filosofia como modo de vida e profissão, mas, geralmente, os pais ou responsáveis não permitem que seus filhos sigam a carreira. A realidade é que não existe "filósofo" desempregado, em todas as profissões e atividades humanas a filosofia é fundamental, desenvolve o raciocínio, o poder de análise e a compreensão da complexidade social, política e histórica. É um orgulho para o curso ter alunos das mais diversas matizes e gerações. O interesse de pessoas que já possuem uma atividade profissional pela filosofia é crescente. O filósofo Epicuro (341 a.C. a 270 a.C.) sabia muito bem disso e, na Carta Sobre a Felicidade, escreveu: 'que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de idoso, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado idoso para alcançar a saúde do espirito'". (UFT)