Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

As imagens dos Governos são extensões da identidade de governantes e retratam a cara de seu tempo. O trabalhismo era a fotografia de Getúlio. O desenvolvimentismo tinha as feições simpáticas e sorridentes de JK. O janguismo assumia os contornos do esquerdismo oportunista de João Goulart. O janismo juntava regrismo autoritário com independência, a marca de Jânio.

O ciclo dos militares fechou o universo da locução, maltratou a cidadania, abriu comportas para projetos como a das telecomunicações e expandiu o gigantismo do Estado.

Sarney fez um governo tateante, de altos e baixos, de mudanças na moeda, com o populismo da distribuição de leite para as margens sociais. E abriu os pulmões da sociedade política, fincando os eixos democráticos.  

O governo Collor foi um estrondo, marcado por grandes sustos, como o confisco da poupança, marketing pessoal, abertura da economia, diminuição do tamanho do Estado e muitos escândalos. O breve governo Itamar Franco foi marcado pelo Plano Real, responsável pela estabilização da moeda, sob o comando de Fernando Henrique e sua equipe. A seguir, tivemos dois governos de FHC, que tiveram como foco a estabilização e a modernização da economia e a robustez do Estado.

Os governos Lula 1 e 2 focaram as comunidades carentes, com o acesso facilitado ao crédito, e um conjunto de programas sociais. Lula saiu prestigiado. O governo Dilma, que se estendeu de 2011 e 2016, foi marcado pela continuidade de investimentos sociais, mas sufocado por crises econômicas, oposição política, investigação de escândalos de corrupção e pelas “pedaladas fiscais”, que motivaram seu impeachment, em 2016.

O governo Temer, de curto período, foi de muitos avanços e de reformas, como a trabalhista. Caracterizou-se, ainda, pelo bom diálogo com o universo político. O arrojo da administração, tocada por uma equipe de perfis de alta qualidade, não foi bem aceito pelo PT, que fez acirrada campanha contra o governante, taxando-o de golpista. Hoje, aquele ciclo é considerado um dos mais avançados da história.

Qual é a cara do atual governo? Assemelha-se a de um bicho de sete cabeças. Ou a uma feição franksteiniana. Faz uma embalagem para produtos antigos, maquiando-os como novos (as Bolsas); na esfera política, é adepto do conceito franciscano (“é dando é que se recebe”), desloca-se do canto esquerdo do arco ideológico e se aproxima do centro, sob a fúria de grupos petistas que teimam em defender “a revolução socialista”.

Na seara econômica, tateia sob a corda bamba, ora garantindo que vai controlar gastos, ora escancarando as portas do cofre do Tesouro para amaciar o coração de apoiadores(?), alguns duvidosos sobre as possibilidades de reeleição do atual governante. Muitos confiam, desconfiando.

Disso tudo resulta a observação: o governo Lula 3 não tem cara. E por que não consegue modelar suas feições? Porque continuou embalado nas ondas do passado, sem constatar que o mundo mudou desde janeiro de 2003, quando se sentou pela primeira vez na cadeira presidencial.

A globalização, a grande árvore que abrigava os interesses das Nações, cede lugar ao ideário do nacionalismo e consequente fechamento de fronteiras, restrição do comércio multilateral, tarifas escorchantes para a importação de produtos, deportação de imigrantes e expansão das tensões. Começa-se a ver, aqui e ali, contrariedade às políticas predatórias, como a dos EUA, sendo a China a protagonista principal, com certo apoio dos países europeus, que veem com desconfiança o comportamento irado do presidente da maior democracia ocidental. A cara fechada de Donald Trump é a imagem de um mundo em estado de uma Guerra Fria, que impõe novos padrões geopolíticos.

Tais padrões são embasados na volta à direita de nações, que, até pouco tempo, ostentavam, o facho do neoliberal. Países centrais e periféricos estão sendo seduzidos por valores da direita ideológica. Matizes fascistas enfeitam estes novos caminhos. O planeta dá uma volta ao passado. Sérgio Villalobos Ruminot, professor da Universidade de Michigan (EUA), é autor de um livro muito oportuno para compreendermos o nosso tempo – “Asedios al fascismo – Do governo neoliberal à revolta popular”, onde oferece “um arsenal para a batalha do presente”).

Trump é o Nero dos tempos modernos, o incendiário que toca fogo em Roma, orgulhando-se de ser o maior gestor dos fazeres mundiais. Cerca-se de radicais. Haja decreto. E haja caneta de tinta grossa para mostrar ao mundo sua assinatura barroca.

Esse é o novo mundo que Lula não quer enxergar. Ainda se considera “o cara”, personagem da primeira fila da paisagem, anunciado pelo então presidente Barack Obama durante um evento com governantes de relevo. Luiz Inácio borrou sua imagem com inserções enviesadas sobre o cenário mundial, como o apoio à Rússia em guerra contra a Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza entre palestinos e judeus. Perdeu credibilidade para unificar os integrantes do Mercosul. Sua voz já não faz eco no grupo dos BRICs. E, por último, seu cacife é desprezado pelo maioral dos tempos atuais, o Nero Trump.   

Por último, urge dizer que, no plano interno, o presidente é obrigado a fazer mais concessões aos integrantes do Congresso, os quais, na prática, sinalizam com a adoção do semipresidencialismo, o sistema que exerce funções executivas, deixando o presidente com as vestes de Chefe de Estado (Davi Alcolumbre e Hugo Motta seriam dois primeiros-ministros...).

É oportuno lembrar o lema de uma empresa de transportes:  “o mundo gira e a Lusitana roda”. Concluo: os desatentos costumam perder o bonde da história. 

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.