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Opinião

Claiton Cavalcante é membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil.

Claiton Cavalcante é membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Claiton Cavalcante é membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil. Claiton Cavalcante é membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil.

A música sempre foi uma ferramenta poderosa de reflexão social, capaz de denunciar situações que muitas vezes evitamos encarar. “The Logical Song”, da banda Supertramp, e “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu”, conhecida na voz de Zé Ramalho, são exemplos claros de como arte e crítica social caminham lado a lado e, mais do que isso, de como continuam extremamente atuais.

À primeira vista, “The Logical Song”, que em tradução livre significa “A lógica canção” parece ser uma canção nostálgica sobre o amadurecimento. No entanto, ao escutá-la com mais atenção, revela-se uma mistura do bem com o mal fazendo com que nos afaste da inocência da infância para nos lançar num mundo de cobranças, rótulos e obrigações. Entristeço-me ao presenciar alguns pais tratando suas crianças como se adultos fossem!

Quando crianças, não precisávamos lidar com o peso das responsabilidades sociais, com as discussões políticas ou com a insegurança econômica e preços nas alturas que hoje nos cerca. Não pensávamos sobre inflação, mercado de trabalho ou sobre o futuro incerto.

Não precisaria nem dizer, mas é na vida adulta que nos deparamos com as engrenagens desse “sistema”, que, sob a desculpa da lógica e da ordem, nos molda a padrões (efeito manada) muitas vezes desumanos no afã de querer sempre mais.

Já “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu” nos apresenta, de forma clara, a brutalidade da desigualdade. “Com tanto dinheiro girando no mundo, quem tem pede muito, quem não tem pede mais”. O verso resume com maestria a lógica perversa do acúmulo e da ganância, em que a abundância de poucos contrasta com a escassez de muitos, talvez retratando a realidade do povo nordestino que não tem nada de diferente da realidade vivida pelo “povo” brasileiro.

E mesmo assim, os que já têm muito seguem insaciáveis, cobiçando cada pedaço de terra, cada árvore derrubada, cada centavo, cada bem que puderem acumular. Essa realidade, escancarada na música, continua viva e pulsante nas manchetes diárias. Em tempo, essa ganância e cobiça não tem lado, seja público ou privado.

Mas o ponto mais alarmante, e que merece ser destacado, é a hipocrisia coletiva que permeia a nossa sociedade. Tornamo-nos especialistas em discursos bem ensaiados, em campanhas de aparência ética e sustentável, enquanto nossas ações seguem contraditórias e negligentes.

Pois, somos os mesmos que clamam por cidades limpas, mas atiram latas de cerveja pela janela do carro em movimento e que deixam a merda dos pets exposta em vias públicas e lá permanece até secar ou ser resgatada pelo solado do sapato.

Apoiamos campanhas por praias despoluídas, mas deixamos sacolas plásticas e bitucas de cigarro na areia. Que atire a primeira garrafa quem nunca viu uma tampinha dentro da barriga de um peixe! Reclamamos do clube social porque contraímos pereba na pele, mas mijamos dentro da piscina. Os que criticam o uso de drogas, seja lícita ou não, são os mesmos que fumam nas sacadas exalando o odor e a névoa fúnebre para a vizinhança.

Ademais, enchemos as redes sociais de frases de efeito, postagens conscientes e fotos com filtro que até cego enxerga, mas agimos como se o mundo fosse uma lixeira pública e as desigualdades fossem apenas “coisas do sistema” ou “dane-se o outro”.

Essa hipocrisia não se limita ao cidadão comum – gosto desse substantivo, já escrevi artigo relacionado aos hipócritas - ela se estende também ao cenário midiático e político.

Recentemente, o presidente Lula visitou o “companheiro” cacique Raoni em terra indígena, na região do Xingu, em Mato Grosso, para discutir temas como direitos indígenas, retirada de invasores e participação indígena na gestão pública.

Um ou dois dias antes, a atriz Angelina Jolie também esteve na mesma aldeia, conversando com o cacique e demais lideranças locais sobre os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas, como desmatamento, garimpo ilegal e expansão do agronegócio sobre terras dos povos originários.

Os dois eventos receberam ampla cobertura da mídia, que destacou as visitas como demonstrações de apoio às causas indígenas e ambientais. Tenho minhas dúvidas se as visitas tiveram somente cunho índio-ambiente e pergunto: Quanto a ex de Brad Pitt gastou para chegar até a aldeia Piaraçu? Só sei que foi levada até lá em avião da Força Aérea Brasileira.

Nós, enquanto sociedade, precisamos questionar a efetividade dessas ações e a sinceridade por trás delas. Enquanto as câmeras registram encontros e discursos que beiram a perfeição, a realidade nas terras indígenas continua marcada por invasões, exploração ilegal de recursos e ameaças constantes aos direitos dos povos originários.

A presença de figuras públicas e políticas nessas ocasiões, embora simbólica, muitas vezes não se traduz em políticas públicas eficazes ou mudanças concretas. A COP30, se aproxima! Grande parte da mídia, por sua vez, participa desse teatro ao exaltar tais visitas sem aprofundar-se nas questões estruturais que perpetuam a marginalização/prostituição indígena e a degradação ambiental.

Essa sociedade que se apresenta como “boazinha” nas vitrines das redes e nos palanques da opinião pública está longe de praticar o que prega. O maior problema não é a ausência de discursos, mas sim o excesso deles sem a mínima prática.

É cômodo cobrar das autoridades, apontar o dedo para os políticos, furar o sinal vermelho, fingir que está dormindo no assento do transporte coletivo e ao mesmo tempo ser incapaz de recolher o próprio lixo ou respeitar o próximo no cotidiano.

As músicas de Supertramp e Zé Ramalho permanecem atuais porque nós, como sociedade, continuamos presos nessa lógica malvada e, ao mesmo tempo, nos recusamos a assumir a parcela de responsabilidade que nos cabe, pois ficamos igual ao enredo da crônica “Analisando Defeitos Alheios”, de Marcial Salaverry.

Assim, seguimos perguntando, como no desabafo final de “The Logical Song”: “Please tell me who I am”. Afinal, quem somos, de verdade; criança ou intelectual cínico?

E como a vida imita a arte, por vezes, é nela que encontramos as verdades que evitamos encarar no cotidiano, por isso comecei a “fazer” teatro, dando vida ao personagem “Ditu Bagree”.

*Claiton Cavalcante é membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil.