A reforma tributária brasileira, que visa simplificar o complexo sistema de impostos sobre o consumo, introduz o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços). Uma das mudanças mais significativas e debatidas é a cobrança do IBS no destino, e não na origem, o que promete remodelar a distribuição de arrecadação entre os entes federativos. Contudo, essa transição não será rápida, estendendo-se por surpreendentes 70 anos, conforme detalhado no PLP 68/2024.
O Cronograma da Transição: Décadas de Adaptação
A transição para a plena cobrança do IBS no destino é dividida em duas fases distintas, estendendo-se por quase um século. A Fase I, que dura 50 anos, tem seu término previsto para 2077. Esta etapa inicial estabelece as bases para a mudança. Posteriormente, a Fase II se estende por mais 20 anos, culminando em 2097. Isso significa que, somente daqui a mais de sete décadas, o sistema estará totalmente ajustado para que o IBS seja integralmente arrecadado no local onde o bem ou serviço é consumido.
Retenções do Comitê Gestor: Um Mecanismo de Equilíbrio
Durante esse longo período de transição, o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) terá um papel crucial na regulação da arrecadação. Ele será responsável por realizar retenções do produto da arrecadação destinada a cada Estado, Distrito Federal e Município. O objetivo principal dessas retenções é minimizar o impacto na arrecadação atual de estados e municípios produtores que hoje dependem significativamente do imposto cobrado na origem. A ideia é evitar perdas abruptas de receita que poderiam desestabilizar as finanças públicas desses entes federativos.
O processo de retenção seguirá uma escala gradual:
De 2029 a 2032, 80% da arrecadação será retida pelo CG-IBS.
Em 2033, a porcentagem sobe para 90%.
De 2034 a 2077, os 90% estabelecidos em 2033 serão gradualmente reduzidos em 1/45 (um quarenta e cinco avos) a cada ano.
É importante notar que, contrariando a percepção de que as retenções terminariam em 2077, o Artigo 122 do PLP 68/2024 esclarece que elas se estenderão até 2097. Essa extensão garante que o ajuste na distribuição da arrecadação seja ainda mais gradual e que os entes federativos tenham tempo suficiente para se adaptar às novas realidades financeiras.
A finalidade primordial dessas retenções, conforme o Artigo 124, é permitir que o CG-IBS realize a apuração e os ajustes necessários para a correta destinação do produto da arrecadação. Esse mecanismo de compensação é essencial para que a transição para a cobrança no destino ocorra de forma a não prejudicar severamente a receita dos municípios e estados atualmente beneficiados pela tributação na origem.
Em suma, a transição para a cobrança do IBS no destino é uma empreitada de longo prazo, planejada para ser realizada em décadas. Esse cronograma extenso e as complexas regras de retenção refletem a preocupação em promover uma reforma tributária que, ao mesmo tempo em que moderniza o sistema, garanta a estabilidade fiscal dos entes federativos brasileiros.
Até o final desta jornada o Comitê Gestor irá concentrar o poder de arrecadar e distribuir o imposto, tendo mais poderes do que os próprios prefeitos e governadores, no que se refere a gerenciamento e aplicação de recursos.
* Ivo Ricardo Lozekam é tributarista, contador e advogado, articulista de diversas publicações, destacando-se a Revista Brasileira de Estudos Tributários; Repertório de Jurisprudência IOB; Coluna Checkpoint da Thomson Reuters; Associado ao IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação; e Associado da APET - Associação Paulista de Estudos Tributários. Seus artigos de doutrina sobre a recuperação do crédito acumulado de ICMS, constam no repertório de vários Tribunais Estaduais, incluindo o STJ - Superior Tribunal Federal , e o STF - Supremo Tribunal Federal.