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Opinião

Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados

Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados

O Brasil acaba de testemunhar um episódio emblemático da desconexão entre a classe política e as urgências do país. Com aval do Senado e apoio da base governista, o Congresso Nacional aprovou o aumento do número de deputados federais de 513 para 531. A medida, vendida como ajuste de representatividade, é na verdade uma ampliação dos privilégios políticos — e ocorre em meio a uma crise fiscal que exige justamente o oposto: contenção e responsabilidade.

O projeto, longe de ser técnico ou republicano, é marcado pelo oportunismo. Sem qualquer debate público relevante, foi conduzido de forma célere, com apoio do partido do presidente da República e silêncio ensurdecedor do Palácio do Planalto. A ausência de reação por parte do Executivo é mais do que omissão: é conivência.

Trata-se de uma escolha política em um país onde a carga tributária pressiona famílias e empresas, o desemprego permanece elevado, os serviços públicos agonizam e o endividamento do Estado preocupa até os mais otimistas. Em vez de liderar uma agenda de modernização institucional, o Congresso escolheu inflar sua própria estrutura — um gesto que agride o bom senso, a lógica fiscal e o princípio da razoabilidade.

Mais deputados significam mais assessores, mais cotas parlamentares, mais diárias, mais contratos de aluguel, mais licitações — e mais pressão sobre um orçamento público que já não dá conta do essencial. A conta, como sempre, vai para o contribuinte.

O argumento da proporcionalidade não se sustenta. Os Estados Unidos, com 350 milhões de habitantes, têm 435 deputados. O Brasil, com 220 milhões, terá 531. Proporcionalmente, passamos a ter uma das câmaras mais infladas do planeta — e, paradoxalmente, uma das mais ineficientes entre as democracias consolidadas.

Não se trata apenas de Brasília. O movimento no Congresso tende a se replicar em cadeia: Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais já articulam aumento de cadeiras com base na mesma lógica. Estados e municípios, já sobrecarregados por folhas salariais e estruturas inchadas, podem sofrer ainda mais.

É importante destacar: ampliar o número de parlamentares não significa ampliar a democracia. Ao contrário, em um sistema político desacreditado, a multiplicação de cargos tende a ampliar o loteamento de poder, o clientelismo e os custos da governabilidade. É a reprodução da velha política por meio de uma engrenagem mais cara e ineficiente.

O Executivo federal, por sua vez, lavou as mãos. Preferiu preservar sua base aliada a defender o interesse público. Nenhuma articulação contrária à proposta foi feita. Nenhum veto foi sinalizado. Nenhuma liderança governista se colocou contra o projeto. A omissão diz muito sobre as prioridades do governo — e sobre seu compromisso com a reforma do Estado.

É legítimo esperar de um governo eleito a capacidade de enfrentar corporações, resistir a pressões fisiológicas e atuar como agente de mudança. Mas, neste caso, optou-se pela conveniência. Em nome da “governabilidade”, o Executivo se tornou cúmplice de mais uma distorção institucional.

Enquanto isso, a população assiste, descrente, a mais um capítulo da série “para eles, tudo; para o povo, o resto”. Mais do que indignação, o momento exige vigilância. A reforma que o país precisa não é para criar mais cargos, mas para reduzir desperdícios, moralizar as emendas parlamentares, fortalecer a eficiência do Legislativo e devolver ao Estado sua capacidade de servir — e não apenas sustentar — a política.

O Brasil não precisa de mais deputados. Precisa de mais compromisso com a coisa pública.

*Arcênio Rodrigues da Silva é sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados.