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Cultura

Os tenentes do Exército Lício Augusto Maciel e José Conegundes Nascimento (3º e 4º da esq. para dir.).

Os tenentes do Exército Lício Augusto Maciel e José Conegundes Nascimento (3º e 4º da esq. para dir.). Foto: HL Filmes/divulgação

Foto: HL Filmes/divulgação Os tenentes do Exército Lício Augusto Maciel e José Conegundes Nascimento (3º e 4º da esq. para dir.). Os tenentes do Exército Lício Augusto Maciel e José Conegundes Nascimento (3º e 4º da esq. para dir.).

“Araguaia”, do cineasta e escritor tocantinense Hermes Leal, estreia nacionalmente a partir dessa quinta-feira, 26 de junho, no circuito de arte do país. Com distribuição da Jalapão Filmes e narração do ator Paulo Betti, o documentário reconstrói a desconhecida Guerrilha do Araguaia, com relatos de militares e ex-guerrilheiros, que saíram do anonimato para relatar torturas e mortes, em um dos maiores extermínios de pessoas na história do Brasil.

O longa-metragem, de 95 minutos, construído a partir do seriado documental para TV “Guerra do Araguaia”, denuncia e reconstitui o massacre de 69 pessoas que faziam parte da Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1974, na floresta amazônica no sul do Pará. Pela primeira vez, militares assumem seus crimes e descrevem em detalhes como mataram dezenas de pessoas a sangue frio. Neste conflito, houve a maior mobilização de tropas no Brasil desde a Guerra do Paraguai e a Segunda Guerra Mundial; as forças militares utilizaram cerca de sete mil homens para combater e eliminar os guerrilheiros.

“Araguaia” revela a verdade dos fatos, de forma a jogar luz em um dos episódios mais obscuros da História do Brasil, ainda no anonimato. Por isso, relata, cronologicamente, os cinco anos de preparação e os dois anos de combates desta sangrenta guerra, com depoimentos de militares (coronéis e soldados); documentos secretos; relatos inéditos de guerrilheiros, que há mais de 40 anos vivem no anonimato; de camponeses, que foram torturados e mortos tanto quanto os guerrilheiros; e contextualizada por historiadores e jornalistas especializados no assunto.

O filme aborda todo o período dos combates, mostrando fatos inéditos dos dois lados do conflito, dos militares e dos guerrilheiros, e como dezenas de militantes do PC do B, vindos do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Bahia, enfrentaram um Exército bem armado, que precisou de três grandes campanhas para derrotar, decapitar e exterminar guerrilheiros mal armados, mas adaptados à selva. Até hoje, os militares não informaram o destino dos corpos de 49 pessoas desaparecidas no conflito.

Os depoimentos dos sobreviventes, oito guerrilheiros, que estão vivos porque foram presos no início do conflito, ou conseguiram escapar no calor dos combates, antes do massacre final, dão um teor real aos acontecimentos do dia a dia da guerrilha. Suas façanhas foram presenciadas por camponeses, que sofreram nas mãos dos militares tanto quanto os guerrilheiros, e até hoje mantêm suas cicatrizes e a presença dos amigos guerrilheiros em suas vidas.

Filmado nas locações onde os eventos ocorreram, na região entre Marabá (sul do Pará) e Xambioá (norte do Tocantins), “Araguaia” busca, em seu conjunto e seus desdobramentos, compreender o que foi este fato histórico do país. Foram necessários meses de investigação para localizar e convencer guerrilheiros e militares para quebrar seus silêncios e revelar tudo o que foi mantido em segredo até hoje. Até os dias atuais, nenhum militar havia assumido seus crimes publicamente, nem detalhado suas operações de guerra. Coronel Lício, por exemplo, um dos personagens do filme, pode ser considerado - segundo análise dos responsáveis pelo filme - a pessoa que mais matou durante todo o regime militar. 

O longa revela também um dos maiores centros de tortura do país, senão o maior, por onde passaram mais pessoas torturadas, chamado Casa Azul, que até hoje se mantém de pé na periferia de Marabá como uma memória viva das atrocidades cometidas lá dentro. E encerra com um diagnóstico sobre a busca da verdade, a punição dos responsáveis pelas atrocidades – ainda há 49 corpos desaparecidos –, e a dor de quem perdeu seus amigos e parentes.

A narrativa reconstrói, cronologicamente, os sete anos de conflito, revelando os antecedentes, os treinamentos, as campanhas militares, até iniciar os combates, onde os militares e seus guias descrevem com detalhes como mataram, por exemplo, a guerrilheira Sônia, com oitenta tiros. Este evento é relatado pelos militares que a executaram, sendo que um deles carrega até hoje uma cicatriz do tiro recebido no rosto por Sônia antes de morrer. Relatam também a morte de vários outros guerrilheiros em cenas sangrentas, incluindo a decapitação dos corpos dos mortos, que lembram uma carnificina.

Hermes Leal

Hermes Leal é tocantinense, natural de Araguaína. Roteirizou e dirigiu mais de 10 filmes e 6 séries, entre eles, o longa “A Lei e o Medo”, sobre o temor da perda de conquistas democráticas perante a eleição de Bolsonaro, em 2018; “Cineastas” (1ª e 2ª temporadas), seriado biográfico dos principais diretores e diretoras do cinema brasileiro; “Na Força da Lei” (1ª e 2ª temporadas), sobre as leis que fazem diferença para a democracia no Brasil; e “Guerra do Araguaia”, série em 3 episódios sobre o conflito armado que culminou em mais de 70 guerrilheiros desaparecidos na ditadura militar.

Em 2025, realizará as filmagens do longa “A Imagem do Brasil”, que traz novos conceitos para entender o brasileiro e o país. E prepara o filme “Melancolia – Abismo da Existência”, coprodução internacional com a Manny Films, baseada na França e nos EUA.

O cineasta é também escritor com oito livros publicados, entre eles, “Antes que o Sonho Acabe”, que será filmado pelo diretor pernambucano Lírio Ferreira, com roteiro adaptado do autor.