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Opinião

Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

O Pix, criado pelo Banco Central (BC), tornou-se o principal meio de pagamento do País e um dos sistemas mais bem-sucedidos de inclusão financeira no mundo. Com custo praticamente nulo, funcionamento instantâneo e alta adesão – mais de 150 milhões de brasileiros já utilizam o formato –, ele desintermediou um mercado tradicionalmente dominado por bandeiras de cartões. Essa característica, que trouxe enormes ganhos de eficiência para consumidores e empresas, colocou o Brasil no radar dos Estados Unidos.

Recentemente, o governo Trump, abriu uma investigação, amparado na Seção 301 da Trade Act, alegando que o Pix cria um ambiente desleal para empresas norte-americanas. Na visão da Casa Branca, o fato de ser uma infraestrutura estatal de pagamentos, gratuita ou muito mais barata que serviços privados, distorce a concorrência e afasta fintechs estrangeiras do mercado brasileiro.

Por trás da crítica está o impacto direto que o Pix gera sobre as receitas de gigantes americanos, principalmente as bandeiras de cartão de crédito e as big techs que lucram com intermediação financeira. Ao transferir valores de forma instantânea entre contas bancárias, sem taxas elevadas ou necessidade de intermediários internacionais, o sistema enfraquece o modelo tradicional baseado em tarifas, taxas de intercâmbio e compartilhamento de dados. Além disso, o sucesso brasileiro inspirou outros países a criarem soluções similares, aumentando o temor americano de uma descentralização das infraestruturas financeiras globais, até então, muito vinculadas ao dólar e ao sistema de pagamentos norte-americano.

A situação tende a se intensificar com o lançamento do Pix Crédito, previsto para setembro. Essa nova funcionalidade permitirá pagamentos parcelados com liberação imediata para o recebedor, entrando de forma direta na arena antes dominada pelo cartão de crédito. Ou seja, não apenas os débitos e transferências instantâneas migram para o Pix, mas o financiamento ao consumo, modalidade que, historicamente, foi uma fonte relevante de receita para bancos, bandeiras e fintechs americanas. É exatamente essa ampliação que reforça as críticas de Trump, pois o sistema passa a competir em todas as frentes com os players tradicionais e com a infraestrutura financeira exportada pelos EUA.

Uma eventual retaliação americana, como tarifas adicionais sobre produtos brasileiros ou restrições comerciais, traria impactos significativos para a economia. O Brasil poderia enfrentar aumento no custo de exportações, pressão sobre a balança comercial e efeitos secundários sobre o câmbio e a inflação. Há, ainda, a possibilidade de outros países seguirem a linha americana e questionar sistemas públicos de pagamento que desafiem modelos de negócios privados, criando um contágio regulatório que enfraqueceria o avanço de soluções similares em economias emergentes.

Diante desse cenário, a resposta brasileira deve ser estratégica. É fundamental demonstrar, no âmbito técnico e diplomático, que o Pix é uma política pública doméstica voltada à inclusão financeira, sem discriminar empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, o governo poderia buscar engajar fintechs americanas no ecossistema do Pix, mostrando abertura regulatória e transparência. Defender o sistema em organismos multilaterais, como a OMC, e negociar reciprocidade com os EUA também seriam caminhos para neutralizar acusações de prática desleal.

No fundo, a crítica de Trump carrega um componente duplo. É pragmática, pois busca proteger interesses econômicos de setores estratégicos para os EUA, como fintechs e bandeiras de cartão, diretamente ameaçados pela inovação brasileira. Mas também é ideológica, inserida em uma agenda mais ampla de contenção da influência financeira de países do BRICS e de sistemas alternativos ao dólar. Assim, o embate vai além da simples disputa por mercado; ele simboliza a tensão entre um modelo estatal de infraestrutura pública de pagamentos e o tradicional modelo privatizado dominado por empresas americanas.

O Pix, portanto, é mais do que um sistema de pagamento: tornou-se um ponto de inflexão geopolítica e econômica. Para o Brasil, defender essa inovação é preservar um ativo estratégico que democratizou o acesso financeiro, reduziu custos para consumidores e empresas e pode servir como plataforma para a próxima fase de integração digital e inclusão econômica.

*Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)