Uma força-tarefa composta pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal resgatou 563 trabalhadores em condições análogas à escravidão na obra da TAO Construtora em Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso. As investigações, intensificadas após incêndio que destruiu alojamentos no dia 20 de julho de 2025, revelaram um quadro alarmante de condições degradantes de trabalho na construção de uma usina de etanol. Os trabalhadores exerciam suas atividades na obra de uma usina de etanol da 3tentos.
As inspeções realizadas pela força-tarefa nos alojamentos e locais de trabalho constataram condições degradantes e inúmeras violações às normas de saúde e segurança do trabalho. Durante as audiências administrativas realizadas entre 30 de julho e 5 de agosto de 2025, foram ouvidos trabalhadores e representantes da empresa, cujos depoimentos confirmaram uma série de violações aos direitos trabalhistas. Os trabalhadores resgatados eram oriundos majoritariamente de outros estados, especialmente do Maranhão, Piauí e Pará.
As condições dos alojamentos eram extremamente precárias. Os trabalhadores dormiam em quartos superaquecidos, com apenas um ventilador para quatro pessoas, recebendo apenas um lençol fino para cobrir colchões usados e de má qualidade. Não eram fornecidos travesseiros, fronhas ou roupas de cama adequadas. A superlotação era evidente, com alguns trabalhadores chegando a dormir no chão sob mesas quando não havia camas disponíveis.
A situação se agravou nas semanas que antecederam o incêndio, quando problemas no fornecimento de energia elétrica se tornaram frequentes. A falta de energia causava a interrupção do bombeamento de água dos poços artesianos para as caixas d'água, deixando os trabalhadores sem água para consumo e higiene pessoal. Os depoimentos revelaram que nos dias anteriores ao incêndio, os trabalhadores precisavam tomar banho com canecas e enfrentavam filas enormes para usar banheiros sujos devido à falta de água.
No dia do incêndio, a situação atingiu um ponto crítico quando a empresa foi obrigada a utilizar caminhões-pipa para buscar água do Rio Tapirapé, fornecendo água turva e inadequada para consumo nos bebedouros. A precariedade das condições de trabalho e alojamento, somada à falta de água e energia por dias consecutivos, criou um ambiente insustentável que culminou na destruição dos alojamentos masculino e feminino, parte da panificadora e da guarita de entrada.
As inspeções também revelaram graves violações às normas de segurança do trabalho no canteiro de obras. Os trabalhadores estavam expostos a condições insalubres, com refeitórios inadequados, locais de trabalho sem refrigeração e com excesso de poeira. Foram constatados acidentes de trabalho não registrados adequadamente, incluindo trabalhadores que sofreram lesões nas mãos e pés, além de doenças de pele causadas pelos produtos manuseados. A falta de equipamentos de proteção individual adequados e as condições precárias de trabalho colocavam em risco a saúde e segurança de todos os empregados.
Além das condições degradantes de alojamento e trabalho, as investigações revelaram graves irregularidades na jornada de trabalho. Os trabalhadores eram submetidos ao sistema denominado "cartão 2", onde laboravam além da jornada contratual de 8 horas e 48 minutos diárias, chegando a trabalhar até 22 horas e aos domingos. As horas extras eram controladas em planilhas separadas e pagas em cheques ou dinheiro, "por fora" da folha de pagamento oficial, caracterizando sonegação fiscal e precarização das relações trabalhistas.
Os depoimentos indicaram que muitos trabalhadores foram aliciados através de intermediários em suas cidades de origem, pagando do próprio bolso as passagens para chegar ao local de trabalho, sendo posteriormente descontados os valores em seus salários. Aqueles que não passavam no exame médico ou não eram aprovados no processo seletivo ficavam sem recursos para retornar às suas cidades.
A alimentação fornecida era inadequada e repetitiva, com trabalhadores relatando encontrar larvas e moscas na comida, além de alimentos requentados e deteriorados. O refeitório era quente e sem ventilação adequada, obrigando muitos trabalhadores a fazer refeições em condições precárias.
Após o incêndio, a empresa foi obrigada a alojar os trabalhadores em hotéis e casas alugadas na cidade. Foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 pedidos de rescisão antecipada de contratos por prazo determinado e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os seus pertences pessoais no incêndio.
As investigações da força-tarefa prosseguem com análise de documentos e não está descartada a necessidade de novas inspeções no local. A ação de resgate dos 563 trabalhadores exemplifica a importância do combate ao trabalho em condições análogas à escravidão e da fiscalização rigorosa das condições de trabalho em grandes obras de infraestrutura no país.
A empresa TAO Construtora possui atualmente quatro obras no Mato Grosso, empregando aproximadamente 1.200 trabalhadores, sendo a obra de Porto Alegre do Norte a maior delas.
O Ministério Público do Trabalho está em processo de negociação de termo de ajuste de conduta com a empregadora, a fim de assegurar o pagamento das rescisões, indenizações por dano moral individual e coletivo, indenizações pelos gastos com o deslocamento para o Mato Grosso, o pagamento das despesas de retorno e alimentação as cidades de origem dos trabalhadores resgatados e as reparações pelos bens materiais dos trabalhadores destruídos no incêndio. O MPT também está atuando para garantir a correção de todas as irregularidades encontradas nos alojamentos e na obra. (Secom/MPT)