Durante décadas, o Brasil avançou em um ponto essencial: colocar mais crianças e jovens dentro das salas de aula. Mas o que deveria ser motivo de celebração virou alerta: o acesso à escola não tem se traduzido em aprendizado. E isso tem um nome — analfabetismo funcional.
Segundo o Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos não conseguem compreender um texto simples ou fazer uma conta básica. Um índice que não caiu sequer um ponto percentual desde 2018. Mas o dado mais inquietante é outro: entre os que concluíram o ensino médio, 17% ainda são considerados analfabetos funcionais. E mesmo no ensino superior, 12% não dominam plenamente leitura e cálculo.
Esses números não são apenas estatísticas. Eles são o retrato de um sistema educacional que entrega diplomas, mas não garante direitos. Um sistema que normaliza o fracasso escolar, sobretudo para os mais pobres, para os negros, para quem mora longe dos grandes centros urbanos.
No Nordeste, por exemplo, a taxa de analfabetismo absoluto chega a 11,7%, contra 2,9% no Sudeste. Pessoas pretas e pardas têm mais que o dobro da taxa de analfabetismo em comparação com pessoas brancas. E quanto menor a renda familiar, maiores são as chances de um jovem sair da escola sem saber interpretar um boleto ou escrever um e-mail. Não é coincidência. É desigualdade estrutural.
Mais do que comprometer o futuro, o analfabetismo funcional exclui no presente. O Inaf também apontou que 95% dos analfabetos funcionais têm desempenho insatisfatório em tarefas digitais básicas. Em um país cada vez mais conectado — com serviços públicos, bancários e sociais migrando para o digital — isso significa perder acesso a direitos, autonomia e dignidade.
Diante desse cenário, é urgente repensar as prioridades. Garantir vagas escolares é o mínimo. É preciso garantir aprendizado real. Isso passa por investir na valorização dos servidores públicos da educação, apoiar metodologias que respeitem o ritmo dos alunos, e fortalecer políticas como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que vem sendo abandonada justamente quando mais se precisa dela.
A CNSP defende que educação é um direito e um dever do Estado. Mas não qualquer educação — uma que forme cidadãos críticos, capazes de compreender o mundo e participar dele com autonomia. Não há democracia plena enquanto milhões forem impedidos de ler, escrever e entender as regras do jogo social.
Aceitar o analfabetismo funcional como um dado estático é fechar os olhos para uma exclusão que se renova todos os dias. E isso o Brasil não pode mais permitir.
*Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos.