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Meio Ambiente

Foto: Petrobras/Divulgação

Foto: Petrobras/Divulgação

Oito organizações e redes dos movimentos ambientalista, indígena, quilombola e de pescadores artesanais entraram nessa quarta-feira, 22,  com uma ação na Justiça  Federal do Pará contra o Ibama, a Petrobras e a União, pedindo anulação do licenciamento do Bloco FZA-M-59, que permitiu à Petrobras iniciar a perfuração de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. 

O Ibama concedeu a licença de operação à empresa no último dia 20, após quatro anos de pressão da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia, contrariando pareceres  técnicos do próprio instituto e recomendações do Ministério Público Federal. A Petrobras  informou que a perfuração começou imediatamente após a emissão da licença. 

Na ação, protocolada na 9ª Vara da cidade de Belém, a Apib (Articulação dos Povos  Indígenas do Brasil), a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia  Brasileira), a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), a Confrem (Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas  Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros e Marinhos), o Greenpeace Brasil, o Instituto Arayara, o Observatório do Clima e o WWF-Brasil também pedem liminar  suspendendo imediatamente as atividades de perfuração, sob risco de danos irreversíveis  ao meio ambiente. 

A ação aponta três vícios fundamentais na licença de operação, que ensejam sua nulidade: 

1 – O licenciamento atropelou povos indígenas e comunidades tradicionais - Não foi realizado Estudo de Componente Indígena nem Estudo de Componente Quilombola no  licenciamento. Tampouco houve consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que já são afetados pelo empreendimento  desde a oferta do Bloco FZA-M-59 e respectivo processo de licenciamento ambiental. Na  região do empreendimento há terras indígenas e quilombolas, colônias de pescadores, Reservas Extrativistas, áreas de pesca artesanal, duto de escoamento, Unidades de  Conservação e rotas de navegação. 

2 – O licenciamento tem falhas graves de modelagem que põem em risco a  biodiversidade - Para obter a licença do Ibama, a Petrobras precisava apresentar um  estudo de modelagem que apontasse o que aconteceria com o óleo em caso de acidente, bem como um plano de emergência para conter o vazamento. Tanto o modelo utilizado quanto os seus dados têm falhas que comprometem a segurança da atividade. 

As organizações reclamam que o modelo não considera as características da região, como o comportamento de correntes subsuperficiais, a presença de sedimentos na coluna d’água, entre outros fatores como o uso de dispersantes, que interferem na dinâmica de dispersão e  afundamento do óleo. "A ação demonstra que 20% do óleo derramado num “blowout” afundaria, potencialmente atingindo o Grande Sistema Recifal Amazônico, um ecossistema único e rico em biodiversidade que, além disso, serve de berçário a espécies  de peixe importantes para a economia e os modos de vida locais do litoral amazônico", argumentam. 

Além disso, as organizações dizem que a Petrobras deliberadamente usou no licenciamento dados desatualizados da hidrodinâmica da região, de 2013, embora já existam dados para 2024. "O próprio Ibama exigiu como condicionante da licença de operação a apresentação de nova modelagem no relatório anual da atividade – mas, mesmo assim, deu a licença com base num modelo frágil e desatualizado, evidenciando a inviabilidade ambiental do empreendimento", adicionam. 

3 – O licenciamento ignorou os impactos climáticos do projeto - Desde 2021 a Agência  Internacional de Energia vem alertando que, se a humanidade quiser ter chance de limitar  o aquecimento global a 1,5oC, nenhum projeto novo de combustíveis fósseis poderá ser  licenciado no planeta. O Brasil, às vésperas de sediar uma conferência do clima da ONU  na Amazônia, tripudia sobre o Acordo de Paris e sobre a COP30 ao abrir essa mesma  Amazônia para uma expansão maciça da produção de petróleo, o principal causador da  crise do clima. 

De acordo com as ONGs, o bloco FZA-M-59, que abriga o poço de Morpho (onde os trabalhos de perfuração já começaram, segundo a Petrobras), é apenas o primeiro de uma série na bacia da Foz do Amazonas. Há outros oito blocos em licenciamento e 19 arrematados no leilão da ANP em junho. "A abertura de uma nova fronteira exploratória do petróleo via liberação do bloco FZA-M-59 implicará, em plena crise climática, aumento na produção de combustíveis fósseis, que, por sua vez, elevará as emissões de gases de efeito estufa no país e no mundo", argumentam.  

Declarações 

coordenador-executivo da Apib, Kleber Karipuna, o projeto é predatório, ignora a voz dos povos indígenas, verdadeiros guardiões da  floresta, e escancara as contradições do governo ao investir em combustíveis fósseis, principal causa da crise climática, há poucos dias da COP30. "Além de violar o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da OIT, o processo de  licenciamento desconsiderou o alerta da Funai sobre a necessidade de realizar o Estudo  do Componente Indígena. Exigimos a revisão urgente desta autorização, pois a Amazônia e seus povos não podem pagar a conta de uma destruição que não é nossa”, disse. 

Para Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, nenhuma decisão que impacte a vida e os territórios indígenas pode ser tomada sem  ouvir quem há milênios cuida da Amazônia. "A consulta livre, prévia e informada não é um  favor; é um direito garantido e inegociável. Autorizar a exploração de petróleo na Foz do  Amazonas sem esse diálogo é mais um ato de violação e desrespeito aos povos  indígenas, que pagam a conta pelas ações do Estado e da iniciativa privada, que só estão  preocupados com o lucro acima da vida. Exigimos que nossos direitos constitucionais sejam garantidos e que o Estado e seus órgãos de controle revejam as autorizações desse  projeto, que representa graves riscos socioambientais aos povos indígenas do Amapá", frisou. 

Viola todos os direitos 

quilombola do Amapá e coordenadora-executiva da Conaq, Núbia Cristina, considera que a decisão do governo viola todos os direitos das comunidades. “Nós estamos há três anos ajuizando essas ações, pedindo para ser ouvidos pela Petrobras para saber sobre a questão da liberação. E o que o governo federal fez através do Ibama, liberando o licenciamento, viola todos os direitos das comunidades quilombolas do Amapá e do Brasil porque não será só o estado do Amapá que será  contaminado, caso haja um vazamento. Então, o nosso posicionamento aqui é cobrar,  porque, mesmo sem a oitiva, sem o processo de escuta da OIT, o país conseguiu liberar  uma licença para a Petrobras. Mediante a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a gente vem aqui repudiar a ação que o governo brasileiro fez,  sem consulta prévia, livre e informada para a população quilombola. E agora a gente vai buscar parceiros na defesa da Amazônia, defesa dos territórios quilombolas, da nossa costa amapaense que nos ajude para que não aconteça mais atrocidade e violência". 

Angela Barbarulo, gerente jurídica do Greenpeace Brasil, diz ser lamentável a autorização às vésperas da COP. "Às vésperas da COP 30, é lamentável que o governo brasileiro tenha autorizado a abertura de nova fronteira de exploração de petróleo na região Amazônica. O  licenciamento do Bloco FZA-M-59 atropelou requisitos fundamentais previstos na legislação ambiental brasileira e em tratados internacionais dos quais o país é signatário. A anulação da licença de operação é urgente, uma vez que ela foi concedida sem estudos que identifiquem e mitiguem adequadamente os riscos e impactos socioambientais – como os que incidem sobre o grande sistema recifal amazônico - sem avaliação dos  impactos climáticos e sem a realização da consulta livre, prévia e informada aos povos  indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O Brasil precisa reafirmar compromissos climáticos ambiciosos e assegurar o respeito efetivo aos direitos humanos para que possamos garantir um futuro possível, baseado na proteção do meio ambiente, na valorização dos povos e comunidades e na preservação de suas riquezas socioambientais”, analisou. 

É inaceitável 

Para Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, é inaceitável que um projeto dessa magnitude avance sem consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas, quilombolas e pescadoras que serão diretamente afetadas. "Isso é uma afronta à Constituição e à Convenção 169 da OIT. A Petrobrás se autoproclama líder da transição energética justa, mas é responsável por 29% de toda a  expansão fóssil da América Latina. Não existe justiça quando povos e territórios são sacrificados. O próprio Ibama e a Funai já reconheceram os impactos sobre comunidades  tradicionais. Ignorar isso é fechar os olhos para a ciência e para a lei. Já logramos  precedentes nítidos dos tribunais brasileiros: qualquer licença ambiental concedida sem consulta é nula. O que está em jogo aqui é o respeito ao Estado de Direito e à democracia ambiental", detalha. 

Suely Araújo, coordenadora de  Políticas Públicas do Observatório do Clima, complementa análise negativa quanto à licença. "Em plena crise climática e às vésperas da COP 30, o Brasil joga no fundo do oceano a tentativa de liderar pelo exemplo e põe em risco o legado climático do país ao autorizar a  perfuração do bloco FZA-M-59 na bacia da Foz do Amazonas, lançando as bases para a  ocupação da região pela exploração petroleira. O processo de licenciamento possui diversas inconsistências técnicas e jurídicas que, de forma irrefutável, demonstram a  inadequação da licença emitida pelo Ibama. Há fragilidade nas modelagens, descumprimento da Convenção 169 da OIT e outros problemas sérios. Ao invés de proteger os ecossistemas e o sistema climático e prezar pelo cumprimento da  Constituição Federal, liberou-se a perfuração de forma inconsequente. Não há outra medida cabível que não a propositura da ação judicial", reclamou. 

Por fim, o coordenador de Litigância Estratégica do WWF-Brasil, Danilo Farias, complementa que a concessão viola o princípio da precaução. “A concessão de uma licença para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sem a devida comprovação de segurança ambiental e social, configura uma grave violação ao princípio da precaução e ao dever de progressividade ambiental, pilares fundamentais do  Direito Ambiental brasileiro. Diversas recomendações do Ministério Público Federal não foram atendidas no processo de licenciamento ambiental, que apresentou inconsistências técnicas contundentes. Diante de um ecossistema tão sensível, biodiverso e interconectado, a incerteza científica deve ser motivo de cautela, não de avanço. O Estado brasileiro tem o dever constitucional de garantir um meio ambiente  ecologicamente equilibrado, e isso inclui impedir atividades que coloquem em risco ecossistemas únicos como o existente na foz do Amazonas. Autorizar a exploração petrolífera sem estudos completos e participativos é abrir espaço para danos irreversíveis à biodiversidade e às comunidades que dependem desse território".