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Campo

Foto: Embrapa Cerrados

Foto: Embrapa Cerrados

Com o objetivo de capacitar técnicos e formar multiplicadores envolvidos com a cultura do açaizeiro irrigado no Cerrado, foi realizado, nos dias 30 e 31 de outubro, um workshop na Embrapa Cerrados (Planaltina-DF) com o tema “Sistema de produção sustentável de açaizeiro irrigado no Cerrado: capacitação e experiências”. O evento reuniu cerca de 50 técnicos extensionistas do Distrito Federal e de municípios de Goiás, Minas Gerais e Bahia.

A programação incluiu palestras técnicas e visitas tanto à área experimental da Embrapa Cerrados quanto a propriedades rurais do DF que receberam mudas de açaí desenvolvidas pela Embrapa para cultivo em suas áreas. O workshop foi coordenado pelos pesquisadores da Embrapa Cerrados Wanderlei de Lima e Fábio Faleiro. A abertura do evento contou com a presença de representantes das instituições parceiras da iniciativa.

O cultivo do açaí, antes restrito à região Norte, hoje desperta crescente interesse nacional e internacional, impulsionado pelo aumento das exportações e pela valorização de suas propriedades nutricionais. A troca de experiências entre pesquisa, transferência de tecnologia e extensão visa dar suporte técnico para o desenvolvimento sustentável do cultivo no Cerrado, iniciado em 2022 no âmbito da Rota da Fruticultura na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF).

Na abertura do workshop, o chefe-geral da Embrapa Cerrados, Sebastião Pedro, destacou a relevância do evento e da cultura do açaí para a região. Ele lembrou que a Embrapa Cerrados completa, neste ano, 50 anos de atuação — período em que teve papel fundamental no desenvolvimento agrícola do bioma. Segundo ele, inicia-se agora uma nova fase, voltada à diversificação e à introdução de culturas tropicais de alto valor, como o açaí, que considera “a cultura do momento”.

Sebastião enfatizou o potencial extraordinário do açaí (econômico, agronômico e nutricional) e afirmou que o Cerrado pode se tornar uma nova fronteira produtiva para essa espécie tipicamente amazônica. Ressaltou, contudo, que o cultivo na região apresenta desafios climáticos, pois adaptar uma planta de ambiente úmido às condições locais exige pesquisa, inovação e manejo cuidadoso, mesmo com irrigação.

O gestor e pesquisador destacou ainda o caráter colaborativo do projeto, lembrando que, diferentemente do modelo tradicional de pesquisa, em que se estuda antes de plantar, o trabalho com o açaí no Cerrado ocorre de forma simultânea. “Por ser uma planta perene, precisamos pesquisar e produzir ao mesmo tempo. Essa iniciativa foi muito ousada, mas topamos o desafio”, afirmou.

Pesquisas em andamento

O pesquisador Wanderlei Lima também ressaltou a importância do evento, destacando que os plantios de açaizeiro no DF e região já são uma realidade, ao mesmo tempo em que se desenvolvem os trabalhos de pesquisa com a cultura. O plantio mais velho voltado à pesquisa na Embrapa Cerrados vai completar dois anos. “Então, toda informação que chega é importante. Essa interação entre os diversos atores envolvidos é fundamental, especialmente neste caso”, destacou.

Os estudos buscam estabelecer recomendações técnicas que viabilizem a produção sustentável de açaí na região. O trabalho inclui experimentos voltados à definição de sistemas de produção de mudas, manejo de irrigação e monitoramento de doenças e nutrição. Também visa à formação de uma população base para o melhoramento genético, com o objetivo de desenvolver cultivares adaptadas às condições do Cerrado.

O pesquisador foi um dos palestrantes do workshop e tratou em sua palestra do “Sistema de produção do açaizeiro: da germinação ao plantio definitivo”. Atualmente, a Embrapa Cerrados conduz dois experimentos de campo em uma área de 2,3 hectares: um voltado ao manejo de irrigação e outro à avaliação agronômica e adaptativa de progênies geneticamente superiores de açaí provenientes do campo de produção de sementes da Embrapa Amazônia Oriental, localizado em Tomé-Açu (PA).

“O estudo busca compreender o comportamento das plantas desde a germinação até o plantio definitivo, avaliando aspectos como substrato para mudas, irrigação e avaliações do crescimento e desenvolvimento, tanto na fase vegetativa quanto na fase reprodutiva”, explicou o pesquisador. No país, são conhecidas três espécies principais (Euterpe edulis, E. precatoria e E. oleracea). “Compreender a adaptação dessas plantas às diferentes condições ambientais é essencial para o sucesso da cultura no Cerrado”, avaliou.

Segundo ele, o trabalho é desafiador, inédito e gratificante, pois representa um legado para a agricultura tropical e um passo importante na consolidação de uma nova fronteira para a cultura do açaí no Brasil.

Presença de peso

O workshop contou com a participação do pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental João Tomé de Farias Neto, melhorista e especialista em açaizeiro, que ministrou a palestra “Sistema de Produção do Açaizeiro em Terra Firme”, apresentando um panorama técnico e econômico da cultura, além de recomendações práticas de manejo.

Com experiência como pesquisador e produtor, Tomé destacou que o açaí é uma das culturas mais promissoras e rentáveis da atualidade, com demanda crescente no Brasil e no exterior. Segundo ele, “quem quer ganhar dinheiro deve plantar açaí”, ressaltando que o mercado mundial ainda está longe de conhecer plenamente o potencial do fruto.

Do ponto de vista econômico, o açaí é o segundo produto agrícola mais importante do Pará, ficando atrás apenas da mandioca. O estado responde por cerca de 1,6 milhão de toneladas anuais. Entretanto, o setor enfrenta desequilíbrio entre oferta e demanda: o comércio do fruto cresce cerca de 15% ao ano, enquanto a produção aumenta apenas 5%, o que tem elevado o preço do produto, chegando a R$ 80,00 por lata (14kg) em períodos de entressafra.

O pesquisador explicou que 70% a 80% da produção do Pará ocorre no segundo semestre, o que provoca escassez e encarece o produto no início do ano. A solução, segundo ele, é o cultivo em terra firme com irrigação, que permite escalonar a produção e garantir oferta constante. Ele enfatizou, no entanto, que a irrigação é fator essencial para o sucesso da cultura fora das várzeas. “Se não tem como irrigar, não deve plantar açaí”, alertou.

Tomé apresentou os avanços do programa de melhoramento genético da Embrapa, que já lançou as cultivares BRS Pará (2005) — primeira cultivar de açaí para cultivo em terra firme e também a primeira cultivar de açaí do Brasil — e BRS Pai d’Água (2019), que se destaca por duas características principais: produção na entressafra e frutos menores. “O tamanho do fruto passou a ser um critério de seleção importante, pois frutos menores produzem maior rendimento de polpa e melhor qualidade sensorial”, explicou.

Em sua palestra, o especialista abordou os aspectos técnicos de manejo, de produção de mudas, deficiências nutricionais e suas respectivas recomendações, além de destacar aspectos como a importância das abelhas nativas na polinização do açaizeiro. “A presença desses insetos aumenta a produtividade e a qualidade dos frutos, o que torna a apicultura uma atividade complementar estratégica para os produtores”, afirmou.

Por fim, o pesquisador afirmou que a migração do açaí das várzeas para a terra firme irrigada é inevitável, tanto na Amazônia quanto em novas regiões produtoras, como o Cerrado e o Nordeste, onde já há registros de produtividades superiores às do Pará. Para ele, o futuro da cultura está no cultivo tecnificado, irrigado e geneticamente melhorado, capaz de garantir produção contínua, sustentabilidade econômica e ampliação do acesso do açaí ao mercado mundial.

Experiências e conhecimentos compartilhados

No primeiro dia do evento, a programação técnica do workshop contou ainda com as palestras: “Manejo de irrigação com a cultura do açaizeiro nas condições edafoclimáticas do Cerrado”, com o pesquisador Jorge Antonini. No período da tarde, os participantes do evento visitaram as duas áreas experimentais do açaí na Embrapa Cerrados, uma para estudos sobre manejo da irrigação e a outra para estudos de melhoramento genético do açaí para as condições do Cerrado.

O pesquisador Jorge Antonini apresentou os resultados preliminares do experimento e salientou a importância do adequado manejo da irrigação que leva ao melhor desenvolvimento da cultura, ao uso racional da água e à economia no custo de produção. Os pesquisadores Wanderlei Lima e Fábio Faleiro apresentaram a área de avaliação das progênies de açaí na busca de cultivares geneticamente superiores melhor adaptadas às condições tropicais de cultivo na região do Cerrado.

No segundo dia do evento, a programação técnica contou com as palestras “Nutrição e adubação de plantas no Cerrado”, com o pesquisador Thomaz Rein; e “Principais doenças do açaizeiro”, com o pesquisador José de Ribamar Nazareno da Embrapa Cerrados. O extensionista da Emater DF, Felipe Camargo, falou sobre as experiências com a cultura no Distrito Federal e os técnicos Geraldo Pacheco da Embrapa Cerrados e Ramom Alves da Rota da Fruticultura falaram sobre as experiências com a cultura em toda região de atuação do projeto envolvendo o DF e municípios de Goiás e Minas Gerais.

No período da tarde, os participantes visitaram duas propriedades rurais que implantaram o açaí há aproximadamente três anos, no início do projeto, onde os produtores compartilharam as experiências de sucesso relacionadas à implantação e ao acompanhamento da cultura do açaizeiro. De acordo com o extensionista Felipe Camargo, por se tratar de uma cultura nova, ainda há certa desconfiança por parte dos produtores. “Mas, depois que apresentamos todas as questões, especialmente as relacionadas à possibilidade de receita e aos ganhos com a venda do açaí, muitos produtores têm se interessado. No campo, observamos uma migração da produção de hortaliças para a de frutas, e o açaí surge hoje como uma alternativa viável para a nossa região”, destacou.

Para o pesquisador Fábio Faleiro, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados, o workshop foi um momento histórico de apresentação dos primeiros resultados das pesquisas com o açaí no Cerrado e da continuidade das ações de transferência de tecnologia e capacitação de agentes multiplicadores. “A realização do workshop foi importante para compartilhar as experiências de sucesso na pesquisa, transferência de tecnologia, extensão rural e políticas públicas, promovendo a inovação no campo e mostrando também a força, a determinação e a esperança dos primeiros produtores de açaí na região do Cerrado”, afirmou Faleiro.

A Embrapa Cerrados tem promovido ao longo dos últimos anos a capacitação de agentes multiplicadores e produtores rurais na área da Fruticultura Tropical. Neste ano, foi lançado o livro “Fruticultura Tropical – capacitação e experiência de sucesso” que registra a memória dessas capacitações sobre o cultivo de diferentes frutíferas, incluindo o açaí, em regiões tropicais, principalmente no bioma Cerrado. Clique aqui e baixe gratuitamente o livro.

A Rota

A Rota da Fruticultura busca impulsionar o desenvolvimento sustentável da fruticultura no Distrito Federal e região. O projeto trabalha para ampliar a produção e o fornecimento de frutas aos mercados interno e externo, gerar emprego e renda, fortalecer o campo com mais prosperidade, diversificar as culturas e atrair novos agricultores para o setor da fruticultura. A Rota e coordenada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e desenvolvida em conjunto com a Embrapa Cerrados e a Conab.

Também formam essa rede de parceria diversas instituições como o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a Superintendência Federal de Agricultura do Distrito Federal (SFA/DF), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-DF), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) e a Organização das Cooperativas do DF (OCDF).