Foi em 1990 a primeira vez que uma pessoa sumiu de repente. No filme Ghost: Do Outro Lado da Vida, produção cinematográfica que arrecadou US$ 505,7 milhões em bilheteria somente nos Estados Unidos, Molly (Demi Moore) vê o seu namorado Sam (Patrick Swayze) ser assassinado à queima-roupa bem na sua frente, tornando-se vítima de um fenômeno comum hoje em dia.
O ghosting. Nele, um indivíduo estimado pode desaparecer de uma hora para outra, sem dar nenhum tipo de explicação plausível para a vítima. Na prática, parece que o ser humano passa para o lado de lá, transformando-se em fantasma, assim como aconteceu no longa-metragem de 126 minutos produzido pela Paramount: “Alguém! Alguém nos ajude!” - grita a protagonista.
Assim, haja Oda Mae (Whoopi Goldberg) para dar conta do vazio que este sumiço causa. Ao usar o recurso de tentar comunicação com o além para reduzir a dor daquele que foi “ghosteado”, muitos incorporam a vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, almejando encontrar no sobrenatural a possível explicação que fez com que aquela alma desvanecesse para sempre.
Precisa de tanto? Talvez sim. Estudos desenvolvidos pela consultoria Delta Psychology apontam que 72% dos indivíduos já sofreram ghosting em algum momento de suas vidas. E o pior: quando experienciam a perda de um afeto querido, o cérebro é impactado em regiões específicas relacionadas à dor física. Ou seja, se o crush for embora do nada, é bom preparar o analgésico.
Leia também: Efeito Onlyfans: o que está por trás do exibicionismo online?
Foi o que Molly sentiu em Ghost. Lá, foi o parceiro sumir que a personagem parou de realizar os seus trabalhos cerâmicos como artista plástica. Tudo graças à perda bioenergética que uma ausência súbita como esta produz, gerando uma espécie de depressão do corpo que pede que o acometido se resguarde. Afinal, o organismo precisa poupar esforços para poder se recuperar.
Precisa ir mais fundo para entender? Vamos lá. Na psicologia profunda, o ghosting se relaciona com o conceito de objeto evanescente. Isto significa que, na infância tanto de quem realiza a ação, quanto na de quem sofre, algum amor deixou de existir em uma tacada só. Pode ser que tenha sido a mãe, que faleceu de supetão. Ou, o pai, que partiu depois de um difícil divórcio.
Nos casos ainda mais graves, pode ser até que um irmão, ainda no útero, tenha sido abortado por conta das intempéries do destino. Seja como for, o que acontece lá na frente, na vida posterior do sujeito, é a repetição desta perda inesperada. Daí, ele pode ficar desempregado com frequência, por exemplo, já que deixar de ter algo abruptamente estruturou a sua psique.
Invertidamente, e se, em vez de sofrer a ação do desaparecimento, for este cidadão aquele que causa ausência na vida dos outros? É o que se tem na figura do “ghosteador”. Uma pessoa que não soube lidar muito bem com aquilo que perdeu, passando, assim, a reproduzir este sumiço no outro com o objetivo de restaurar o objeto eclipsado. Vai que ele ressuscita, não é mesmo?
Na película, quem retornou foi o espírito de Sam. Já na vida real, a intérprete Mariana Xavier pode ser utilizada como caso típico da contemporaneidade. Depois de marcar um encontro romântico com o boy da vez, a Marcelina, de Minha Mãe é uma Peça, ficou a ver navios quando o rapaz não respondeu mais às suas mensagens na véspera do date. “Um absurdo!”, desabafa.
Leia também: Tudo o que você precisa saber sobre depressão e ninguém te contou
Outra amostra do que o ghosting pode provocar vem de um paciente da clínica. Ao nascer, Renato foi separado do seu irmão de forma violenta. Depois, quando virou adulto, o rapaz teve bastante dificuldade com relacionamentos, pois todos eles passaram a terminar do mesmo jeito. As relações avançavam com certa naturalidade, mas, em determinado ponto, iam água abaixo.
Portanto, da próxima vez que tiver que se afastar de alguém, pense nas consequências. Um dia, pode ser que você desvaneça sem mandar notícias e pense que está tudo bem. No outro, a falha simbólica impressa na malha psicológica do seu aparelho psíquico cobrará uma resposta. Logo, seja inteligente, porque ali na frente uma assombração fará contato: woah, my love, my darling!
*Renan Cola é psicanalista.Formado em Psicanálise pelo IBCP Psicanálise, maior escola de psicologia profunda do país, atendendo com excelência mais de 10.000 pacientes na última década. Ao longo dos 20+ anos de carreira voltada à clínica psicanalítica, escreveu artigos sobre comportamento humano para veículos comunicacionais de ampla abrangência, como: CBN, Psique, Mistérios da Mente, Estado de Minas, O Tempo, Hoje em Dia, Diário do Nordeste, Administradores e Empresas & Negócios.

