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Opinião

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político. Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

O Brasil fecha o ano de 2025 em sua pior posição histórica no Índice de Percepção da Corrupção, caindo para 107º entre 180 países, e abrindo as cortinas de 2026 sob uma teia de escândalos, tensões e controvérsias.

A lista é pródiga, destacando-se neste momento a perspectiva de Lula vetar a PEC da Dosimetria, pela qual Câmara e Senado chegaram a um bem-bolado casuístico para reduzir a pena de condenados pela tentativa de golpe de Estado, entre eles, Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses por liderar a trama golpista.

Outro destaque negativo é o caso do Banco Master, que promete desencadear uma avalanche de denúncias sobre figurões da política e chegar ao coração do STF, por meio das notícias de suspeição de conflito de interesses e falta de transparência envolvendo os ministros Alexandre Moraes e Dias Toffoli e a instituição liquidada pelo Banco Central, em função de fraudes bilionárias.  

A tensão atinge os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário –, justamente no momento em que a credibilidade das instituições mostra-se essencial para o fortalecimento da Democracia, mediante as eleições gerais de 2026. Nem mesmo uma das marcas mais respeitadas do país, as Havaianas, conseguiu escapar do ambiente altamente conflitivo e polarizado, tornando‑se alvo de uma onda de cancelamento após seu comercial de fim de ano com a atriz Fernanda Torres ser interpretado como crítica ao posicionamento político conservador.

Neste fechamento de 2025, as polêmicas mais comentadas na mídia e redes sociais abrangem, portanto, temas que vão das arenas política e institucional (mandatos cassados, debates legislativos), culturais e ideológicas (boicote de marcas, polarização) até problemas sociais mais amplos (violência contra mulheres, percepção pública de corrupção).  

Vamos a mais alguns deles.

Em 18 de dezembro de 2025, a Câmara dos Deputados cassou o mandato de Eduardo Bolsonaro (filho do ex-presidente) e de Alexandre Ramagem (ex-chefe da ABIN), por faltas e desobediência vinculadas a processos da Justiça relacionados à tentativa de golpe de 2023. Há ainda investigações sobre desvios e megafraudes em instituições brasileiras, inclusive com parlamentares propondo medidas que poderiam dificultar ações penais contra congressistas — como a malfadada "PEC da Blindagem", que acendeu alertas de especialistas contra a corrupção legalizada.  

Em 2025 também houve ofensivas da Polícia Federal contra esquemas de benefícios do INSS, resultando na queda de chefes de órgãos e bloqueio de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão em operações relacionadas à corrupção administrativa. Outras notícias incluem casos de vereadores e agentes públicos denunciados por associação com facções criminosas ou por facilitar ilícitos em presídios.   

Algumas perguntas teimam em mexer com a consciência dos mais indigna­dos: pode-se, afinal, esperar por um processo de depuração da vida dos atores públicos? Pode-esperar que parlamentares e juízes passem a se guiar por um rígido controle ético?

A resposta, convenhamos, é complexa e, de pronto, esbarra na lição de Maquiavel: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxi­to ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucra­riam com a nova ordem”.

Sejamos realistas. Há poucos reformadores nas instituições políticas e nas Cortes judiciárias. Entre os que apregoam mudanças, uns apontam para medidas pontuais e momentâneas, cujo escopo não abriga a matriz das mazelas, e outros há que nem sabem por onde se chega ao caminho das mudanças.

Sob esse feixe de hipóteses, três vertentes se apresentam como as mais prováveis na esfera das ocorrências futuras: a primeira é de que as crises serão ultrapassadas pelas próximas; a segunda, ancorada ainda na banalização, mostra o brasileiro cada vez mais impermeável à bar­bárie da política; e a terceira, regada a esperança, põe fé na crença de que uma flor pode nascer no pântano.

As duas primeiras vertentes são maléficas para o caráter nacional. Comparam-se à maldição de Sísifo. Condenado a carregar uma pedra sobre os ombros e depositá-la no cume da monta­nha, o matreiro rei de Corinto jamais iria conseguir o feito. O castigo que os deuses lhe deram no Hades, o mundo dos mortos, era recomeçar a tarefa todos os dias por toda a eternidade.

O brasileiro carrega algo de Sísifo: quando acredita que a situação começa a melhorar, tudo desanda e ele precisa recomeçar. Esse ciclo constante de expectativas frustradas endurece seus instintos e o torna indiferente até aos acontecimentos mais graves. É o peso psicológico que a crise impõe à alma nacional: da sensação de repetição infinita e da percepção de que a corrupção segue intacta, o brasileiro reforça sua descrença no sistema.

Precisamos, no entanto, criar condições para que se manifeste a terceira vertente, formando um pacto republicano que reacenda a esperança via o fortalecimento dos princípios constitucionais gerais (como soberania, cidadania, isonomia e pluralismo político, entre outros) e da moralidade pública (ética, transparência e legalidade), dirimindo tensões e favorecendo a democracia.

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.