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Campo

matérias-primas nessa primeira fase. O outro é a queima do produto para virar carvão vegetal, aquele que arde nos gigantes fornos das usinas siderúrgicas da Amazônia Oriental para transformar minério em ferro-gusa. Ambos com potencial para tirar o ganha-pão de mais de 300 mil mulheres que vivem de uma atividade que parou no tempo.

As mulheres extrativistas são a favor do biodiesel. Passaram a acreditar nele quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou um de seus defensores em discursos no Brasil e mundo afora. Até o tradutor oficial da República já se viu em apuros para explicar aos estrangeiros o que são "quebradeiras de coco babaçu". Ficaram frustradas quando mamona, dendê e soja foram as escolhas iniciais. Querem saber se a amêndoa que tanto se esforçam para separar, na base da cunha e do machete, será aproveitada também. Segundo a Embrapa Agroenergia, vai. Mas só daqui a 5 ou 10 anos.

"As palmáceas vão ajudar a consolidar o programa biodiesel, mas antes precisam sair da fase do extrativismo para a de sistemas produtivos sustentáveis", explica Frederico Durães, chefe da Embrapa Agronergia, um dos órgãos responsáveis pelas pesquisas sobre o futuro do combustível alternativo. O babaçu enquadra-se hoje na categoria de cultura potencial, pois sabe-se que de suas amêndoas sai um óleo de grande valor energético. O problema é que sua extração mantém-se artesanal.

De outubro a março, mulheres do Maranhão, Piauí, de Tocantins e Goiás saem à cata do fruto. Percorrem quilômetros. Agora, na entressafra, são mais quilômetros. Longe de serem bem-vindas, entram em fazendas particulares para coletar e extrair as amêndoas. Quebram o coco ali mesmo, na sombra das palmeiras. As menos experientes extraem cinco quilos, menos da metade do que quem leva mais jeito para o trabalho.

Altos fornos

Nos últimos tempos, as mulheres passaram a ter companhia masculina. Mas, para elas, são predadores. Mesmo que alguns sejam vizinhos, amigos, maridos. Eles recolhem sacas do coco e não quebram nada. Só vendem o produto para pequenos comércios da comunidade, que revendem a mercadoria para atravessadores e destes para as carvoarias.

O babaçu (Orbignya phalerata) tem 64 usos catalogados. Uma dezena deles poderia ser economicamente viável, mas não é. Faltam escala e estrutura produtiva. De um coquinho, retiram-se quatro pequenas amêndoas, 7% da massa. Podem se transformar em óleos, sabão, glicerina, torta e farelo. Do mesocarpo, outros 23%, dá para fabricar amido, fibras, fertilizante e etanol. Dos 11% do epicarpo se faz carvão ativado. E é nos 59% restantes, o endocarpo que recobre as amêndoas, que reside a ameaça às quebradeiras: o uso como carvão.

Não faltam defensores do potencial do coque do babaçu. Seu carvão vegetal apresenta 80% de carbono. O eucalipto carbonizado tem 70%. Uma floresta nativa, 64%. Transportar madeira sem autorização hoje é ilegal; o babaçu, não. "O coco babaçu virou ouro", adverte Cynthia Carvalho Martins, da Universidade Estadual do Maranhão.

Há menos de um mês, a antropóloga retornou de uma incursão ao Bico do Papagaio, visitando carvoarias do Maranhão e do Pará. Descobriu fornos móveis que produzem carvão com o fruto inteiro, com amêndoas e tudo. "O carvão é mais predatório. A quantidade de minério de ferro em Carajás, dizem, dá para 350 anos. Não há coque suficiente para tudo isso." O Instituto Cidadão Carvão não quis se pronunciar sobre essa ação. Criado para moralizar as carvoarias, envolvidas com trabalho escravo e desmatamento, a organização tenta convencer as guseiras a só comprar o carvão vegetal de origem legal.

Uma luta do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu é evitar que babaçuais sejam derrubados, como alerta a coordenadora-geral Maria Adelina de Souza Chagas. "Toda vez que vem os grandes projetos com nome de desenvolvimento sustentável só se fala em reflorestar, sempre com o plantio do eucalipto. Nunca em preservar", afirma, preocupada com a futura criação do Distrito Florestal de Carajás.

Estimativas do movimento avaliam que 2,4 milhões de hectares de babaçuais já foram devastados. No Brasil, a palmeira já ocupou 18 milhões de hectares.

O Estado de S.Paulo